São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

"Caso este e-mail foi enviado por engano..."

E se o nosso letrado e atento policial desse com um dos caminhões dessa empresa? Pobres funcionários!

O LIXO E A PICARETAGEM "internéticos" não têm limite. O pior é que muita gente acredita cegamente nisso. O exemplo mais comum disso talvez seja o dos "belos textos" (a frase "Veja que belo texto de Fulano de Tal" costuma ser o "assunto" dessas mensagens).
Certa vez, recebi um texto de "Fernando Pessoa" em que se empregavam simultaneamente as formas pronominais "te", "contigo" e "você". Quem conhece um tostão da língua e outro tostão da obra de Pessoa sabe que o genial poeta era português e, justamente por ser português, não escrevia dessa maneira.
Antes que algum deslumbrado raivoso veja no que acabei de dizer alguma condenação do uso simultâneo de "te" e "você", traduzo (desnecessariamente, para os lúcidos e pacíficos) o que acabei de dizer: o emprego simultâneo de "te" e "você" (muito comum no português do Brasil -seja na fala, seja nos escritos literários) não ocorre em Portugal.
Repito: isso é apenas uma constatação, e não um juízo de valores. É justamente o conhecimento dessas nuanças o que permite ao leitor descartar de bate-pronto textos desses "autores", verdadeiras tapeações. Mas há coisas piores na internet.
Ao chegar à Redação para escrever esta coluna (que trataria de outro assunto), abri meu e-mail particular e vi que, numa das mensagens (cujo remetente -sim, remetente- é "encontrado uma fraude em sua movimentação bancária"), uma "administradora" de cartões de crédito me informava que... Bem, não importa.
O que importa é que, como se não bastasse o trecho "encontrado uma fraude" no "nome" do remetente, a ameaçadora mensagem terminava com estes dizeres: "Caso este e-mail foi enviado por engano ignore esta mensagem" (assim, sem vírgula).
Como se vê, os pilantras que redigiram a mensagem ou não conhecem o subjuntivo (modo verbal que expressa dúvida, possibilidade, suposição etc.) ou -ato falho?- conhecem-no, mas, preanunciando e confessando a safadeza, empregam o indicativo (modo verbal que expressa confirmação, certeza, processo posto no plano da realidade etc.). Para que fique claro: em vez "Caso este e-mail tenha sido enviado por...", os larápios escreveram "Caso este e-mail foi enviado...". É bom dizer que, nas variedades formais da língua, o que ocorre mesmo com a conjunção "caso" é (justamente pelo caráter condicional do conectivo) o emprego do modo subjuntivo.
O diabo é que nem sempre o cochilo lingüístico dos gatunos serve como precaução. Explico (em dois capítulos). O primeiro: recentemente um policial desconfiou de um veículo que trafegava num bairro "nobre" de São Paulo. Na lateral da perua, lia-se "Impório Santa Maria". Os larápios informavam também o site, que, coerentemente, era "www.imporiosantamaria.com.br".
O policial notou o trambique e prendeu os incautos meliantes. Agora o segundo capítulo: há (ou havia) uma empresa chamada "Transportes Treiz Meninas Ltda".
Não estou brincando, não. Pode digitar no Google. A empresa existe (ou existiu, sei lá). E se o nosso letrado policial desse com um caminhão dessa empresa? Pobres funcionários! Como dizia meu querido amigo José Antônio Pinto Arantes, "a língua funde a cuca do povo". É isso.


inculta@uol.com.br

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