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ENTREVISTA
LINAMARA RISSO BATTISTELLA
Células-tronco não são prioridade, diz secretária
NO COMANDO da Secretaria de Estado dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, que
completou um ano em março, a médica
Linamara Risso Battistella afirma que a
pasta do governo de São Paulo não vai destinar nenhum centavo para estudos relativos às células-tronco. "Não entendo que esse seja o caminho mais rápido
para melhorar a vida das pessoas com deficiência. Temos de ter esperança, sempre, mas não ilusões."
Para secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência, é absurdo "vender esperanças"
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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A médica Linamara Battistella, secretária do governo de SP
JAIRO MARQUES
COORDENADOR-ASSISTENTE DA
AGÊNCIA FOLHA
A secretária, que é casada e
mãe de três filhos, é responsável por fomentar políticas voltadas a um público que corresponde, segundo estimativas da
própria pasta, a 11,4% dos 39,8
milhões de paulistas (quase 4,5
milhões de pessoas).
Battistella avalia que o Sistema S (conjunto de entidades da
indústria, comércio e serviços,
que atua na formação de mão-de-obra para esses setores) exclui o deficiente quando cria
turmas de aprendizagem específicas para esse grupo.
A secretária afirma ainda que
todas as escolas estaduais estarão livres de barreiras arquitetônicas, que impedem o acesso
dos deficientes, "em breve".
FOLHA - Os empresários batem na
tecla de que não há deficientes qualificados para que possam cumprir a
lei de cotas. Isso é fato?
LINAMARA RIZZO BATTISTELLA - O
perfil das ocupações muda
muito rapidamente e as escolas
de formação não conseguem
acompanhar. Isso causa impacto em jovens com ou sem deficiência. O empresário tem mecanismo para agir, por exemplo, cobrando do Sistema S, que
tem um compromisso social, a
partir do momento em que tem
facilidade fiscal estabelecida.
Essa instituição precisa se
comprometer não só a treinar o
jovem que está entrando no
mercado, mas também a continuar a dar assistência ao profissional. Isso serve para todos,
mas quem é mais prejudicado é
a pessoa com deficiência, que
não tem acesso aos cursos e é
separada em turmas exclusivas, o que é um mecanismo
posto, com clareza [pelo Sistema S], de um sentimento de exclusão. Contra barreiras arquitetônicas é possível fazer leis, já
contra atitudes...
FOLHA - Mas o costume é só oferecer vagas de baixa qualificação.
BATTISTELLA - O fato de ter um
diploma não diz exatamente a
capacidade no desempenho de
uma atividade. A pessoa com
deficiência é reativa porque ela
sempre foi excluída e avalia que
tem o passaporte para exigir
um trabalho. Isso não funciona.
Entendo que haja, sim, restrições por parte do empresariado
a esse grupo social. Mas imagino que é preciso mudar a forma
de apresentação do candidato
deficiente ao mercado.
FOLHA - A sra. é favorável às cotas?
BATTISTELLA - Os números mostram que levar a diversidade
para dentro da linha de produção é um bem para todos. Dos
2,2 milhões de pessoas que foram em busca do auxílio previdenciário em 2007, a perícia
apostou na capacidade laboral
a partir da requalificação de
apenas 60 mil. Dessas, 21 mil
realmente voltaram a trabalhar. Quem paga essa conta é o
empresário. Se ele entender esses custos, vai achar mais fácil
apostar na lei de cotas e investir
na qualificação.
FOLHA - O projeto da casa popular
acessível, umas das vitrines da secretaria, parou em leis municipais?
BATTISTELLA - Foi uma surpresa.
Para mim, não há cidadania se a
pessoa não tem endereço.
Quando o projeto foi anunciado, descobrimos uma restrição
nas legislações municipais para
considerar uma moradia como
de interesse social, aquelas de
que a prefeitura abre mão do
IPTU. Em São Paulo, por exemplo, a moradia não pode ultrapassar 55 m2 de área útil. Mas a
casa acessível ideal tem três
quartos e 60 m2. [A casa acessível deve ter banheiro adaptado,
portas mais largas e corredores
amplos]. As pessoas com deficiência permanecem mais
tempo em casa e, cada vez
mais, felizmente, as famílias
brasileiras estão abrigando
seus idosos, por isso os três
dormitórios. Já começamos a
conversar com as prefeituras
para tentar mudar as leis. Enquanto isso, a casa acessível terá 52 m2.
FOLHA - O orçamento da pasta é de
cerca de R$ 35 milhões, enquanto o
da Comunicação é de R$ 155 milhões. Quais são as prioridades?
BATTISTELLA - Estamos fazendo
um banco de dados com informações disponíveis em todas as
secretarias de Estado. Queremos conhecer melhor a população com deficiência e saber
de que ela precisa. Esse mapa
também vai nos ajudar a definir, junto com o Tribunal Regional Eleitoral, a distribuição
das urnas acessíveis. Queremos
trabalhar o direito à escolha,
que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, para
que o voto seja o reflexo disso.
FOLHA - Ainda falta informação para que a sociedade conheça a realidade do deficiente. Há quem pense
que esse público não tem vida social
ou amorosa. Há alguma ação prevista para mudar isso?
BATTISTELLA - A partir do site
[pessoacomdeficiencia.
sp.gov.br] e da presença da secretaria em todos os eventos é
que podemos levar informação.
Mas a tarefa de fazer da sociedade um clube de iguais precisa
ser contínua. O governo tem de
fazer campanhas educativas. A
paralisia infantil não teria sido
erradicada sem que as pessoas
tivessem direito à informação.
As pessoas podem ter a melhor
cadeira de rodas, e não aquelas
sem qualidade que são doadas.
Não vejo outro meio de garantir que elas saibam disso sem
grandes campanhas.
FOLHA - A situação do transporte
público é crônica, mas afeta mais o
deficiente. É possível resolver?
BATTISTELLA - O transporte público em São Paulo não serve a
ninguém, porque há um problema concreto: as distâncias a
serem superadas. A pessoa com
deficiência sofre um agravante,
uma vez que o tempo que ela fica sentada pode significar perda da funcionalidade no corpo
[lesões na pele, infecções urinárias]. Para pessoas que precisam de transporte rápido para
ir ao trabalho, ao médico ou à
escola, é mais barato fechar um
acordo com táxis adaptados. Na
Europa, funciona assim.
FOLHA - É comum encontrar escadas nas escolas públicas do Estado...
BATTISTELLA - Tenho certeza de
que as barreiras arquitetônicas
serão todas removidas em breve. O meu temor é que o educador pense que isso resolva a
questão da acessibilidade. Há
um orçamento do FDE [Fundo
para o Desenvolvimento da
Educação] exclusivo para eliminar as barreiras, e nós estamos controlando isso. A questão, porém, são os arredores da
escola, como a criança chega à
escola, que é uma responsabilidade das prefeituras. É preciso
também resolver a questão do
material didático, a maneira
como o professor trabalha o
aluno com deficiência. A escola
é o melhor local para garantir o
conceito de inclusão.
FOLHA - A secretaria auxilia no financiamento das pesquisas com células-tronco em andamento?
BATTISTELLA - Acho um absurdo
vender esperanças. Sou absolutamente contra a forma como
se coloca isso [as pesquisas] para o público. A ciência de boa
qualidade consegue superar as
barreiras sem perder de vista os
limites éticos. Não entendo que
esse seja o caminho mais rápido para melhorar a vida das
pessoas com deficiência. Temos de ter esperança, sempre,
mas não ilusões. Esse é um caminho que ainda não se mostrou viável na questão da lesão
medular, da paraplegia. É preciso olhar para aquilo que a vida
nos deu e viver com aquilo que
temos. Cruzar os braços e ficar
esperando o resultado de uma
pesquisa enquanto a vida passa
lá fora é um absurdo. Não podemos colocar as pessoas em uma
situação de risco perdendo de
vista o direito à vida. A secretaria não reservou nenhum recurso para esse tipo de pesquisa. Entendo que células-tronco
têm resultado de sucesso para
alguns tipos de câncer. Mas o
grupo de pessoas que a secretaria representa precisa de outras
linhas de pesquisa que o coloque dentro da sociedade.
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