São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

"Escolas que as aulas da noite são iluminadas..."

Na semana passada, trocamos dois dedos de prosa sobre o emprego do conjunto "preposição + pronome relativo". Partimos de uma questão do ITA que pedia ao candidato que apontasse o caso em que não se seguia "a norma padrão escrita".
Na frase inadequada, encontrava-se a construção "...aqueles os quais estamos acostumados..", que, na escrita padrão, passa a "...aqueles aos quais (ou "a que') estamos acostumados".
Problemas como esse estão no campo da regência, parte da gramática que estuda as relações que se dão entre palavras ou orações. Na frase do ITA, faltou a preposição "a", regida por "acostumados" (se estamos acostumados, estamos acostumados a algo).
Se a preposição é regida por "acostumados", o termo "acostumados" é o regente. Qualquer semelhança com uma orquestra não é mera coincidência, não, caro leitor. Assim como um regente de orquestra rege os músicos, um verbo regente rege uma preposição ("de", por exemplo, no caso de "Gosto muito de você").
Na semana passada, vimos também que, nas variedades orais da língua, nem sempre se verificam os mecanismos prescritos pela "norma padrão escrita" no que diz respeito ao conjunto "preposição + pronome relativo".
No dia-a-dia, freqüentemente dizemos e ouvimos construções como "Aquela moça, que o pai é médico..." ou como "Os países que eu fui...". Na escrita padrão, teríamos "Aquela moça, cujo pai é médico..." e "Os países a que/aos quais fui...", respectivamente.
Há algum tempo, a Unicamp fez a seguinte questão sobre o tema: "Todos os trechos citados abaixo apresentam um problema semelhante. Diga que problema é esse e reescreva um dos trechos de modo a adequá-lo à modalidade escrita da língua portuguesa:
Se a gente ler esta reportagem daqui a um ano, a gente vai perceber as marcas que esta reportagem não é moderna (amostra de escrita de aluno do 1º grau);
Futebol, aquele esporte que faz o povo vibrar ao ver a vitória do time a qual se propõe a torcer (amostra de aluno do 2º grau);
Existem escolas que as aulas da noite são iluminadas à luz de velas (boletim da Associação dos Professores do Estado de SP)".
Como se vê, não parece casual o fato de os exemplos virem de três "graus" distintos. Pois bem, caro leitor, qual é o "problema" comum às três construções? O problema está justamente no estabelecimento das relações entre as palavras e as orações, ou seja, o problema é de regência. No primeiro caso, por exemplo, além das desnecessárias repetições (de "a gente" e de "esta reportagem"), nota-se a falta da preposição "de", regida pelo nome "marcas" ("as marcas de que ela não é...").
Na segunda frase, o problema de regência está na passagem "...time a qual se propõe a torcer". No sentido em que foi empregado, o verbo "torcer" rege "por" ou "para" ("...time pelo qual/para o qual se propõe a torcer").
Na terceira frase, em que se afirma que as aulas são iluminadas, o problema de regência está na passagem "...escola que as aulas...". Talvez fosse mais adequado dizer que as salas (que pertencem a essas escolas) são iluminadas com velas ou que as aulas são ministradas à luz de velas. Teríamos, no caso, algo como "Existem escolas cujas salas são iluminadas..." ou "...em que as aulas são ministradas à luz de velas". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Ação pede que lanche do McDonald's traga alerta de potencial risco à saúde
Próximo Texto: Trânsito: Obra na rede de gás altera circulação no centro à noite
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.