São Paulo, sábado, 27 de maio de 2006

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WALTER CENEVIVA

Ellen Gracie, quantidade e qualidade

O predomínio absoluto ou dominante dos julgados estaduais amplia a força política de seus julgadores

NESTE PENÚLTIMO comentário com glosas do discurso de posse da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, é preciso conferir a ação dos tribunais estaduais ou regionais e a avaliação feita por essas Cortes de Justiça a respeito de sua própria atuação. Há diferenças quantitativas e qualitativas. Em São Paulo, a avaliação preponderante é quantitativa. A unificação formal das alçadas, sob a estrutura do Tribunal de Justiça, gerou a única Corte da Justiça do país próxima de 400 desembargadores. É bom ou é ruim ter imensos tribunais, com centenas de juízes? Se a ordem de trabalho interna for eficiente, com equipamentos e rotinas uniformes e eficazes, o tamanho não faz diferença, pois estrutura administrativa única tende a dar melhor resultado quando a unificação formal passa a ser substancial.
A avaliação qualitativa também envolve influências políticas locais nas Cortes regionais e estaduais. Influências estranhas existem em todos os níveis, mas diminuído o acesso dos recursos aos tribunais superiores, de caráter nacional, cresce a força dos órgãos locais do Judiciário. Percebe-se uma resistência de Ellen Gracie ao acesso atual dos recorrentes aos tribunais superiores. O leitor não ligado às profissões jurídicas compreenderá que a possibilidade de recorrer contra decisões adversas emitidas nos Estados para reapreciação nos tribunais de Brasília é garantia do jurisdicionado nesta nação heterogênea de não ficar sujeito à predominância das elites políticas de sua região. O recurso aos tribunais superiores preserva-o, com a simples possibilidade de que as decisões locais sejam modificadas. O predomínio absoluto ou dominante dos julgados estaduais, com a dificultação dos recursos, amplia a força política de seus julgadores, o que pode ser preocupante, quando avaliado nacionalmente. Isso sem falar no fato, muito repetido nesta coluna, de termos muitas Justiças (civil e criminal, civil e militar, trabalhista e federal, estadual e federal), mas pouca justiça igualitária distribuída ao povo.
A ministra Ellen Gracie reconheceu a dificuldade gerada pelas muitas ações repetitivas, em processos cujo tema de direito é o mesmo, sobretudo para cobrança de débitos do Poder Público. A resistência da administração provoca a acumulação geométrica de casos, embora iguais. Tomo o exemplo expressivo do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), cujos órgãos são freqüentemente envolvidos em monumentais roubalheiras, mas que, no tratamento de aposentados e seus dependentes, gente majoritariamente pobre, é feito de mau atendimento e pelo impedimento de que os processos requeridos chegue ao fim, mediante recursos nem sempre marcados pela boa fé. A "cultura" da fila, à qual o presidente do instituto fez referência há pouco (ele merece perdão, pois não sabia do que estava falando) é outra forma de maus-tratos, embora estranhos à ação judicial.
Salvo alguma rara exceção, as demandas repetitivas envolvem apenas agentes ou órgãos públicos. A súmula vinculante em especial e a repercussão geral, defendidas por Ellen Gracie, poderão eliminar a quase totalidade das demandas em causas tributárias e previdenciárias, facilitando a brevidade no julgamento de outras ações não repetitivas e, por isso, mais difíceis de avaliar. Afinal, Justiça lenta não é justa nem quando tenha o propósito de ser justa.


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