São Paulo, quarta-feira, 27 de maio de 2009

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Após protesto, diarista gasta "só" 2 h para ir ao trabalho

Usuária da zona sul encurtou trajeto em 30min após ônibus serem apedrejados

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na definição da diarista Zuleima Miranda, 38, o dia de ontem começou "tranquilo" -ela demorou apenas duas horas para chegar ao trabalho. Zuleima mora e trabalha em SP.
A diarista encurtou em cerca de meia hora o tempo que leva para ir do Jardim Aracati (zonal sul) até a alameda Casa Branca (zona oeste) porque os ônibus da linha Terminal Santo Amaro, que ela pega para percorrer o primeiro trecho da viagem, saíram excepcionalmente no horário.
"Está cheio de fiscal aqui, mas é só por causa do que houve ontem", diz Zuleima, sobre a revolta dos passageiros na segunda, durante a espera pelos ônibus que não chegavam. Nove veículos foram apedrejados.
"Com vocês [a imprensa] aqui, eles [os fiscais] vão mais é querer mostrar trabalho", afirma a diarista Lucineide Almeida, 26, que costuma acordar às 4h40 para conseguir chegar ao Brooklin, zona sul, às 8h.
O fiscal Danilo Durval, da empresa VIP, dona dos ônibus daquela linha, afirma que, de fato, foi trabalhar mais cedo. "Costumava pegar às 7h, mas, com a confusão de segunda-feira, me disseram [na empresa] que era para chegar às 3h50."
O fiscal da SPTrans não quis falar, nem se identificar. Disse apenas que estava encarregado de uma "operação programada", sem explicar o jargão.
A assessoria de imprensa da empresa diz que a fiscalização da saída dos ônibus é responsabilidade dos funcionários do consórcio. Diz ainda que a VIP foi multada e que a SPTrans esteve no local ontem para verificar se os fiscais estavam cumprindo o horário (antes das 4h).

Culpa dos motoristas
Enquanto aguardam o embarque em três filas paralelas, os passageiros reafirmam o que Zuleima disse: "Hoje isso aqui está ótimo. Normalmente, são cinco, seis filas, e muito maiores", afirma o serralheiro Erivan Ferreira, 35.
A auxiliar de faturamento Isabel Cavalcante, 48, diz que a culpa dos atrasos é dos motoristas. "Ficam na maior moleza, conversando dentro dos ônibus apagados. A gente espera 15, 20 minutos, e eles lá..."
O motorista Elias Maciel, 50, há 20 anos na função, diz que "é isso mesmo". "A maioria [dos motoristas] fica de conversa, não tá nem aí". Ao volante de outro ônibus, Wagner Rodrigues, 36, diz que é orientado a aguardar a autorização feita via GPS (contato remoto) para poder iniciar a viagem.
Danilo Durval, fiscal da VIP, diz que as autorizações se dão em intervalos de oito minutos, independentemente da quantidade de pessoas na fila. E que, se um carro quebra, o de trás assume o horário. "Se quebra, aí é que a gente não sai mais daqui", diz o usuário Sidney Soares, 34, oficial de produção.
A reportagem entrou na fila às 5h45, com Zuleima, para fazer o percurso até a alameda Casa Branca (um total de 29,1 km). Casada com um confeiteiro (que está pedreiro), mãe de três filhos, ela deixa a menorzinha na creche às 5h15.
Em vez de fazer baldeação no terminal Santo Amaro, Zuleima prefere saltar antes, na avenida M'Boi Mirim, e pegar a linha Pinheiros, que "chega mais rápido, pela marginal".
Na calçada do ponto, Zuleima tenta acertar [como dezenas de outros passageiros] o lugar onde a porta vai ficar quando o ônibus parar -e assim ser uma das primeiras a embarcar. Ela diz que prefere pegar o ônibus naquela parada porque "já enche logo de gente e vai direto, sem parar em nenhum ponto".
Ainda está escuro. "A viagem está sendo tranquila", repete ela dentro do ônibus lotado.
Mais 20 minutos e se avista a marginal Pinheiros. Pouco tempo depois, Zuleima desce na avenida Cidade Jardim.
Troca de novo de linha, agora para ir até a avenida Nove de Julho. Seus olhos se enchem de lágrimas quando desce, quase às 8h. Ela diz que "é só um sonho". "Seria tão bom poder viver aqui, com meus filhos, em segurança". Ela anda até a alameda Lorena, entra na padaria para comprar pão para a patroa e cumprimenta o balconista.
Mais divertida que amarga, Zuleima sorri e diz para o repórter e o fotógrafo: "Já pensou se vocês tivessem que passar por tudo isso diariamente pra trabalhar?"


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