São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2001

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PRISÕES

Carceragem espanhola é um hotel, se comparada às cadeias do Brasil; detentos rejeitam deportação

Espanha é paraíso de preso brasileiro

Lilian Christofoletti/Folha Imagem
E.C, detido em Soto del Real, se corresponde com brasileira presa que nunca viu; ele se diz apaixonado


LILIAN CHRISTOFOLETTI
DE MADRI

Com piscina, ginásio poliesportivo, salas de estudo e trabalho remunerado, os 91 brasileiros presos na Espanha não pensam em voltar tão cedo para o Brasil. Detidos em sua maioria por tráfico de drogas e condenados em média a nove anos de prisão, eles preferem o "hotel espanhol" à realidade carcerária brasileira.
Pela Justiça espanhola, os condenados podem pedir a transferência logo após o julgamento. A pena imposta seria cumprida em instituições penitenciárias no Brasil. A oferta é rejeitada pelos detentos, que entendem que pior do que estar preso é estar detido em uma cadeia no Brasil.
"Tenho saudades de tudo no Brasil, mas nunca trocaria esse hotel por uma cadeia brasileira. A vida é difícil aqui também, não temos liberdade, somos presos, mas temos dignidade", afirma a catarinense Augusta Adélia Bruch, 37, presa há quatro anos e condenada a nove.

Integração é prioridade
Distante do triste cenário das penitenciárias do Brasil, com superlotação carcerária, higiene precária e falta de oportunidade de trabalho e de estudo, na Espanha a recuperação e a integração à sociedade são prioridades das instituições penais daquele país.
A Penitenciária de Soto del Real, a cerca de 40 minutos de Madri, é onde se encontra o maior número de brasileiros presos (19 mulheres e 17 homens).
Entre os "direitos e deveres" dos detentos estão o trabalho remunerado em média de R$ 1.100 por mês (salário mínimo espanhol) e o estudo acadêmico.
A instituição fornece ainda cursos de idiomas (espanhol e inglês), oficinas artísticas e cursos de profissionalização.
Nesse país da Península Ibérica, existem 44.370 pessoas encarceradas (segundo dados de 1998 do governo espanhol em seu site na internet), ou 96 por 100 mil habitantes. No Brasil, de acordo com o último censo penitenciário realizado pelo Ministério da Justiça em 1997, há 170.207 detentos, ou 108 por 100 mil habitantes.

Ar saudável
Um dos pontos que mais chama a atenção em uma penitenciária espanhola, se comparada novamente ao Brasil, é a salubridade. Cada cela, de oito metros quadrados, é compartida por duas pessoas, que dispõem ainda de um banheiro. Todos os ambientes são limpos, arejados e amplos.
A organização é mantida pelos próprios presos, que recebem salários pagos pelo governo. São eles que lavam as roupas dos demais, preparam a comida, limpam os pátios, organizam o salão de livros e as salas de aula. Alguns ainda trabalham na produção de peças elétricas, vendidas para empresas particulares.
Uma vez por mês, o detido pode pedir uma visita íntima e uma familiar, de uma a três horas de duração. Essas visitas são feitas em um prédio especial, com quartos, salas e um amplo salão decorado com folhagens.
Uma vez por semana, participam das atividades do ginásio poliesportivo, com quadras de basquete, piscina e jogos.
A cada três meses têm o direito a pedir uma "convivência familiar", quando o preso se reúne com os seus familiares por até seis horas. Os parentes podem levar comidas e bebidas não-alcoólicas.
Diante da distância do Brasil e da Espanha (cerca de 12 horas de vôo) e da falta de recursos, os brasileiros presos recebem poucas ou nenhuma visita de familiares durante o tempo da condenação.
Para burlar o inevitável sentimento da solidão, a comunicação interna por meios de cartas é considerada uma medida vital para a sobrevivência.

Namoro à distância
Como os homens e as mulheres são alojados em pavilhões diferentes, e os encontros são difíceis, eles passam a trocar correspondências, prometer namoros e uma vida nova, mesmo sem conhecer fisicamente o destinatário.
"O importante aqui é ocupar a cabeça com alguma coisa, mesmo que isso seja uma mentira, uma ilusão. Se você entrar e pensar nos nove anos que precisa cumprir, fica louco, você morre", afirma E.C., 34, que diz estar apaixonado há três meses por uma brasileira, também de 34 anos, que nunca viu. "Envio duas cartas por dia para ela e quero conhecê-la logo", afirma ele.
E.C., que tem uma namorada no Brasil, pediu para que seu nome fosse mantido em sigilo.


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