São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

Próximo Texto | Índice

URBANISMO

Estudo do Cebrap dimensiona o crescimento populacional em áreas periféricas da Grande SP; cidade consolidada diminui

SP cresce 6 vezes mais em fronteira urbana

EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

Visto de baixo, o Jardim Paraná é uma escalada na serra da Cantareira. Nessa paisagem, construções precárias e sem muita cor -típicas da periferia de São Paulo- contrastam com o verde da mata, que limita a área no alto.
Moradores contam que até hoje podem ser vistos animais da floresta, em especial macacos. Quando a ocupação desse pedaço da zona norte de São Paulo começou, em 1994, verificou-se um comportamento que parecia uma resistência à presença humana. À noite, a macacada retirava o sapé que cobria os barracos.
O protesto tímido dos primatas não foi suficiente para desestimular a presença humana no local. Cerca de 200 famílias participaram da ocupação ilegal há dez anos. Hoje, a associação de moradores estima que sejam 3.000.
O Jardim Paraná é um exemplo de "fronteira urbana", segundo classificação de estudo do Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM-Cebrap).
Trata-se de um conceito útil para entender como se dá o crescimento populacional na mancha urbana da Grande São Paulo. Enquanto o número de habitantes cresceu a 0,9% ao ano de 1991 a 2000 na cidade de São Paulo, nas fronteiras urbanas da região metropolitana o ritmo foi de 6,3%, ou seis vezes mais -em comparação com a média brasileira (1,6%), é três vezes maior.
O efeito disso é visível em números absolutos. Regiões consolidadas da mancha urbana -parte significativa de São Paulo, os centros de Guarulhos, de Osasco e do ABC- tiveram um decréscimo populacional de 750 mil pessoas de 1991 a 2000. As áreas periféricas mais bem estruturadas, por sua vez, ganharam 590 mil habitantes. Houve, no entanto, um acréscimo de 2,1 milhões de pessoas onde as condições sociais são mais dramáticas -as chamadas fronteiras urbanas.

"Válvula de escape"
O trabalho do CEM permite dimensionar a questão populacional na perspectiva da metrópole.
As fronteiras paulistanas abrigavam 19% da população em 1991. Em 2000, o percentual chegou a 33%. "Se não fossem essas áreas, a população não teria crescido. O aumento se deu na válvula de escape urbana", afirma o demógrafo Haroldo da Gama Torres, 43, responsável pelo estudo.
Segundo Torres, trata-se de uma dinâmica demográfica selvagem, em que a queda do ritmo de crescimento da população não se traduziu em redução na demanda por serviços públicos. Essa procura continua a crescer nas novas áreas de expansão urbana, enquanto equipamentos públicos (de saúde e educação, por exemplo) ficam ociosos na parte consolidada da metrópole.
Trata-se de uma questão cujo equacionamento remete para o problema da gestão metropolitana. São necessários programas e políticas que estimulem a cooperação entre as cidades que formam a Grande São Paulo.
Não há no país um ente federativo que cuide da questão da metrópole. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem os condados, que articulam as cidades.
No estudo, a caracterização de fronteira urbana não está ligada necessariamente a áreas periféricas, embora isso ocorra com muita freqüência no caso de São Paulo. O conceito se refere a regiões pobres, com pouco acesso a serviços públicos e com grande crescimento demográfico. Expressa uma ocupação primitiva, em que a presença do Estado é pequena.
Desse ponto de vista, as duas maiores favelas de São Paulo, Heliópolis e Paraisópolis, ambas na zona sul, caracterizam-se como fronteira, mas não estão nas margens da mancha urbana.
Para efeitos práticos de elaboração do trabalho, foram consideradas fronteiras as áreas censitárias com crescimento populacional superior a 3% ao ano.
Os segmentos que registraram grandes aumentos populacionais correspondem em regra aos piores indicadores sociais e de renda.

Migração
O trabalho do CEM destaca a importância das migrações de outras regiões para o inchaço das fronteiras paulistanas.
Dos 2,1 milhões de pessoas que passaram a habitá-las nos anos 90, 703 mil vieram de outras unidades da Federação -destas, 521 mil vieram do Nordeste.
Embora representassem apenas 19% da mancha urbana em 1991, as fronteiras receberam 42% dos migrantes interestaduais e 46% de todos os migrantes nordestinos.
Esses novos habitantes consolidaram os piores indicadores da mancha urbana. A renda per capita é cerca de um terço em comparação com a cidade consolidada. O analfabetismo dos chefes de domicílio é três vezes maior. O desemprego é mais acentuado do que no resto da metrópole.

A cidade que não pára
A área censitária a que pertence o Jardim Paraná, na Brasilândia, teve uma taxa de crescimento populacional de 10% ao ano na década de 90, ou seja, dez vezes mais que a média da capital.
Os espaços são disputados a palmo. A cidade precária afronta a serra e cerca os cursos de água, que se transformaram em escoadouro do esgoto abundante.
Conta-se que, na zona norte dos anos 60, o córrego Cabuçu, hoje contido -e malcheiroso- entre as pistas da avenida Inajar de Souza, formava um vale bucólico, onde era bom pescar e lavar roupa.


O CEM tem financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).


Próximo Texto: Urbanismo: Para ministério, é preciso gerir metrópole
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.