São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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DANUZA LEÃO

Brizola

Conheci o engenheiro em priscas eras. Acompanhei -como todos os brasileiros que já eram "gente" naquela época -as diversas fases de sua vida, e sempre que Brizola foi candidato, votei nele. OK, ele cometeu erros que eu reconheci, mas jamais consegui votar em outra pessoa, se ele estivesse na disputa. Eu e tantos outros: éramos os tais brizolistas doentes.
Via Brizola raramente, mas me lembro nitidamente de alguns encontros que tivemos nos últimos anos. Dos dois últimos, sobretudo.
Era o casamento do filho do político mineiro José Aparecido de Oliveira, em Conceição do Mato Dentro, interior de Minas, e fui convidada a viajar no jatinho que levaria, entre outros, Mario Soares e Leonel Brizola.
Embarcamos em torno das 13h; durante o vôo, os dois políticos cochicharam muito num cantinho e depois se juntaram aos outros. Brizola, sempre simpático, abriu uma sacola de mão e tirou dela um misterioso saquinho de plástico transparente. Abriu, com dificuldade, o primeiro nozinho, que estava bem apertado; sem parar de conversar, desatou o segundo nó, também muito apertado, depois o terceiro e enfim o último, para alívio geral.
Fingíamos prestar atenção à conversa, mas estávamos ligados ao que fazia o ex-governador, que era abrir o saquinho só no tato, sem olhar.
Quando terminou a tortura, ele, sempre galante, ofereceu aos presentes e explicou: eram pedaços de pé-de-moleque que levava sempre que viajava, costume adquirido nas campanhas políticas, no caso de chegar a algum lugar e não encontrar nada para comer.
Passaram-se uns dois anos, até eu rever Brizola -e pela última vez. Estávamos no mesmo avião indo a Brasília para a posse de Lula e fomos conversando. Conversando é modo de dizer: só Brizola falava -como sempre, aliás-, e eu mal conseguia colocar uma palavra. Mas tinha que me esforçar, pois era uma oportunidade de ouro de saber algumas opiniões do político gaúcho.
Quando consegui uma brecha, perguntei o que ele achava do governo que tomaria posse no dia seguinte. Ele respondeu devagar, fazendo grandes pausas -como sempre-, e disse que o que vinha por aí seria quase uma ditadura. E ainda acrescentou: uma ditadura stalinista.
Cheguei a pensar que Brizola não estava batendo bem. Que história era essa?
O PT, com Lula tão simpático, ia ser quase uma ditadura? Ele estava convicto -como sempre- e terminou dizendo "comece a prestar atenção".
Querendo aproveitar aquele momento único, usei de uma intimidade que eu me achava com direito a ter, já que nos conhecíamos havia tantos anos, e disse: "Governador, mas o senhor às vezes inventa umas pessoas, francamente. E o casal Garotinho/Rosinha, ela agora eleita governadora, no que isso vai dar?"
Brizola me olhou em silêncio por uns momentos -ele sempre pensava antes de responder- e disse: "Olha, Danuza, ela é muito pior do que ele".
Que pena: nunca mais vou poder votar em Brizola.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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