São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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URBANISMO

Área de ocupação recente ainda não aparece no mapa da cidade; água e luz só foram instaladas há dois anos

Correio não chega a CEU no extremo de SP

DA REDAÇÃO

O carro corta as ruas estreitas do Jardim Vista Alegre, na zona norte de São Paulo, às 15h de uma quinta-feira. As casas grudadas umas nas outras formam uma trama urbana espremida em que mal sobra espaço para a circulação de gente e de veículos.
A praça de recreação do centro de convivência comunitário é um dos poucos lugares em que o aglomerado urbano tem um respiro. O local está repleto de crianças, numa indicação de que elas não têm muitas opções de lazer. "Aqui há crianças em penca", comenta um morador.
O destino é outro porém -mais ao norte e ao alto. Há que seguir as orientações dos moradores porque é inútil procurá-las no guia. O local aonde se vai não consta da cartografia da cidade.

Escola
A travessia de uma ponte precária, que, mesmo sendo de concreto, lembra uma pinguela, marca a chegada ao Jardim Paraná. Começa-se a subida em direção ao CEU Paz. Os Centros Educacionais Unificados são um modelo de escola adotado na gestão petista em São Paulo. São equipados com coisas que normalmente não se vêem na periferia -teatro, piscina, centro de informática.
A avenida Ayrton Senna, que também não consta do mapa, é de terra batida, íngreme e estreita. Outras vias remetem a nomes de pássaros (rua dos Canários, travessa Beija-Flor). Nisso lembra Moema, distrito paulistano de maior qualidade de vida, na zona sul, que tem ruas com nomes de pássaros (Cotovia, Rouxinol).
O paralelo termina aí. O Jardim Paraná tem apenas dez anos e está em área de alta exclusão social. Ocupa um trecho no início da serra da Cantareira onde antes havia uma fazenda e um clube. Conseguiu água e energia elétrica há apenas dois anos e ainda está em processo de regularização. Apesar de estar na serra, não é área de proteção ambiental.
O moderno e multicolorido CEU Paz, instalado no alto, contrasta com a precariedade e com a aparência ocre da região. Mas está inserido no seu contexto urbano. Nenhum endereço no Jardim Paraná -nem mesmo o do CEU- recebe correspondência na porta. As cartas são todas enviadas à associação de moradores.
A escola rica, inaugurada em maio último, causa impacto na região. As casas estão valorizadas. Parentes de moradores se mudam para o local para poder estudar no centro escolar municipal.
Em um local de desemprego alto, moradores são recrutados para trabalhar em tarefas de limpeza e de cozinha do CEU. Há um posto da Guarda Civil Metropolitana e nota-se uma presença mais constante da Polícia Militar.
Um outro acesso ao Jardim Paraná, que leva à escola da prefeitura, foi asfaltado. A estigmatização territorial vai se desfazendo. Moradores do vizinho Jardim Vista Alegre perderam o medo de subir ao Jardim Paraná. Professores de classe média passaram a trabalhar na área antes malvista.

Integração
O impacto espacial tem abrangência ainda maior se for levado em conta que o CEU abriga o primeiro teatro dos distritos da Brasilândia e da Freguesia do Ó, segundo informação da prefeitura.
Pelo contraste arquitetônico, o centro da prefeitura parece uma espaçonave pousada na periferia. A integração, contudo, foi rápida. "A comunidade cuida. Viu que o CEU é do bem", diz a diretora Vera Lúcia Apolinário Borges.
O morador da São Paulo bem estruturada dificilmente se depara com um CEU. Eles foram intencionalmente instalados em áreas de alta exclusão social, em regra segregadas territorialmente.
"Os CEUs levam qualidade territorial a regiões alijadas da oferta de serviços públicos e da presença do Estado", faz questão de ressaltar a secretária municipal da Assistência Social, Aldaíza Sposati.
O Mapa da Vulnerabilidade Social, pesquisa do CEM-Cebrap encomendada pela Secretaria da Assistência Social, permite a classificação detalhada do território paulistano, levando em consideração indicadores como renda, escolaridade e presença de jovens.
"Quando é feita a transposição dos CEUs para esse mapa, verifica-se a localização em áreas com forte demanda por serviços públicos", afirma a pesquisadora Dirce Koga, integrante do Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
Um outro mapa, o da Exclusão/Inclusão Social, produzido por pesquisadores da PUC, foi uma das fontes que orientaram a instalação dos CEUs no espaço urbano paulistano, informa Koga.
Ainda no que se refere a demandas não atendidas, Koga ressalta que os centros da prefeitura inovam sobretudo porque vão contra o procedimento historicamente arraigado de oferecer serviço público ruim aos pobres.
(EDNEY CIELICI DIAS)


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