São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Para familiares, principal desafio é entender o mundo dos doentes; repúblicas são alternativa quando não há parentes

"É preciso saber conviver com o imprevisível"

DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-professor de natação Geraldo Peixoto, 70, aceitou o mundo da esquizofrenia, do homem que se diz águia, da estrela da música pop que mandará a qualquer momento um avião para buscar o amor brasileiro.
São fantasias de um amigo esquizofrênico, e de seu filho, André, 40, fã de Madonna, também portador da doença. Peixoto cuida de André desde que a esquizofrenia apareceu, na virada da adolescência. Um dia, logo no início das crises, abalado por uma das internações do filho, Peixoto afirma que resolveu "ser esperto".
"André, você acha possível que a Madonna venha buscar alguém em um país de quarto mundo?", perguntou ao filho. André respondeu de pronto: "Claro, por que não?". "Essa foi uma grande aprendizagem que tive com meu filho, a do "por que não?'", diz Peixoto. O ex-professor diz que também aprendeu a aceitar os sumiços do amigo esquizofrênico, Raimundo. "Quem não entra nesse mundo não tem jeito. Eu o respeitava como águia", diz.
Peixoto passou a aprender sobre a doença após encontrar acolhimento no pioneiro CAPs (Centro de Apoio Psicossocial) Itapeva, de São Paulo. Acabou presidindo uma associação de familiares ligada ao centro. E virou militante da reforma antimanicomial.
André tem vida própria, transita sozinho. No bairro, todos sabem que é portador da doença. Uma vez, durante uma briga na padaria, o dono rapidamente protegeu André, colocando-o para trás do balcão.
"Uma crise psicótica é um saco, a pessoa fica vociferando. É compreensível que em algumas famílias as pessoas não agüentem e briguem. A família também precisa de ajuda", afirma Peixoto sobre sua experiência de convivência com a esquizofrenia.
"Temos uma relação boa quando ela está bem", diz Eliana Impiglia, 52, cuja filha é portadora de transtorno bipolar, doença que causa repentinas mudanças de humor -o paciente transita entre a euforia e depressão.
"Ela não pode ficar sozinha. O dia é muito complicado. E há ainda o preconceito da família, acham que ela não quer trabalhar. Alguns eventos eu evito", diz.

Enlouqueci, e aí?
Quando não é possível viver com a família, ou não há mais família, as repúblicas de pacientes são uma alternativa. Hoje são 200 financiadas no país, ainda muito aquém da necessidade.
Severino Batista Xavier, 62, vive em uma república com quatro amigos. É o cozinheiro e músico do grupo. "Quando vim para cá, eu me conscientizei mais de mim mesmo. Sou outro Severino."
No último 18 de maio, Dia da Luta Antimanicomial, o fórum que debate o tema fez um evento batizado de "Enlouqueci, e aí?".
"O que fazer perante a "loucura", ou melhor, às pessoas que vivem essa experiência? Quais as respostas da sociedade em tempos de falência do modelo manicomial e insuficiência dos atuais serviços?", explicava a chamada do evento.
"A luta antimanicomial propõe, além dos serviços substitutivos dos hospitais, que a loucura seja vista como um modo de ser diferente", afirma o psiquiatra Pedro Carlos Carneiro, membro da executiva paulista do fórum.
(FABIANE LEITE)


Texto Anterior: No Rio, doente é preso após agressão
Próximo Texto: Promotoria controla internações
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.