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LETRAS JURÍDICAS
Direito internacional é dos ricos
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O direito internacional
público é o ramo da ciência jurídica que reúne normas,
tratados e acordos destinados a
regular as relações entre as nações, determinando deveres e garantias. A definição adapta o
conceito clássico desse ramo, que,
entretanto, está mais para a ficção do que para a ciência.
Pensemos que um dos fundamentos do Direito é a efetiva possibilidade de sua aplicação obrigatória a todos e a coerção imponível a quem não o respeite. No
plano internacional, nada disso é
possível quando as nações mais
pobres ou mais fracas (são a
maioria) querem se defender.
Até o século 12, nem havia como
falar seriamente em direito internacional, ante a inexistência de
nações como hoje as conhecemos.
Nos séculos 15 e 16, começou o
surgimento do que veio a ser chamado de Estado Moderno, ultrapassando o regime feudal com as
monarquias européias, consolidadas nos séculos seguintes. Aí,
sim, foram estabelecidas relações
entre Estados independentes,
muitos dos quais estão mantidos
até o presente.
Na medida em que a organização política, econômica e social
foi consolidada em tais nações,
surgiu a necessidade de regular
alguns de seus interesses comuns.
Nasceu um simulacro de direito
internacional público no século
19, pois as nações militarmente
mais fortes impunham sua vontade às mais fracas. País que não
pagasse seus débitos era invadido,
bombardeado, tinha os bens
apreendidos.
Nos últimos 500 anos, o capitalismo se instalou, a princípio, em
preponderante forma comercial
(as relações de compra, venda ou
troca de bens), antes de atingir a
forma tecnológico-financeira de
hoje. A política comercial das nações evoluiu, sob novas exigências
dos dominadores, na relação de
exportação-importação de bens,
solucionável com a balança comercial equilibrada, ideal que as
nações mais pobres viram-se obrigadas a perseguir.
Não tinham e não têm, contudo
-esse é um dos fracassos do direito internacional público-,
possibilidade de se servirem eficazmente de dois outros mecanismos do mercantilismo rico: a imposição do monopólio na criação
e na venda de certos produtos e os
subsídios governamentais que
impedem a entrada de produtos
oriundos dos Estados mais fracos.
Em síntese evidentemente tosca,
o espaço é curto, a manutenção
do sistema colonial teve importância preponderante até, digamos, 1950. África, Ásia e Oceania
continuaram sob domínio militar
e/ou político das nações ricas. Assim, durante a primeira metade
do século 20, teve "direitos" o Estado de moeda forte e controlador
da culatra do canhão.
Na atual etapa planetária, caminhamos para umas 200 nações
politicamente independentes, inter-relacionadas em organismos e
regras supranacionais, mas sob as
influências nascidas da globalização. Dois defeitos subsistem, como se o mundo não houvesse passado por qualquer mudança: (a) é
imprudência ignorar a força técnica e econômica das potências
dominantes; (b) o direito internacional público é manuseado pela
minoria rica.
Uma das muitas formas de manuseio resulta do restrito domínio
sobre os mecanismos de obtenção
e difusão de notícias. Outra, incide sobre o controle das organizações mundiais, políticas e econômicas ou pela recusa pura e simples de obedecer a elas. Avaliação
ignorante desses dados, pondo fé
irrestrita nos princípios e na ética
do direito internacional público,
mostrará a formosura dos temperamentos ingênuos e puros. Para
eles não há lugar no debate da
realidade. Quem tiver dúvida ouça o que George W. Bush (entre
outros) diz e o que ele faz.
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