São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Direito internacional é dos ricos

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O direito internacional público é o ramo da ciência jurídica que reúne normas, tratados e acordos destinados a regular as relações entre as nações, determinando deveres e garantias. A definição adapta o conceito clássico desse ramo, que, entretanto, está mais para a ficção do que para a ciência.
Pensemos que um dos fundamentos do Direito é a efetiva possibilidade de sua aplicação obrigatória a todos e a coerção imponível a quem não o respeite. No plano internacional, nada disso é possível quando as nações mais pobres ou mais fracas (são a maioria) querem se defender.
Até o século 12, nem havia como falar seriamente em direito internacional, ante a inexistência de nações como hoje as conhecemos.
Nos séculos 15 e 16, começou o surgimento do que veio a ser chamado de Estado Moderno, ultrapassando o regime feudal com as monarquias européias, consolidadas nos séculos seguintes. Aí, sim, foram estabelecidas relações entre Estados independentes, muitos dos quais estão mantidos até o presente.
Na medida em que a organização política, econômica e social foi consolidada em tais nações, surgiu a necessidade de regular alguns de seus interesses comuns. Nasceu um simulacro de direito internacional público no século 19, pois as nações militarmente mais fortes impunham sua vontade às mais fracas. País que não pagasse seus débitos era invadido, bombardeado, tinha os bens apreendidos.
Nos últimos 500 anos, o capitalismo se instalou, a princípio, em preponderante forma comercial (as relações de compra, venda ou troca de bens), antes de atingir a forma tecnológico-financeira de hoje. A política comercial das nações evoluiu, sob novas exigências dos dominadores, na relação de exportação-importação de bens, solucionável com a balança comercial equilibrada, ideal que as nações mais pobres viram-se obrigadas a perseguir.
Não tinham e não têm, contudo -esse é um dos fracassos do direito internacional público-, possibilidade de se servirem eficazmente de dois outros mecanismos do mercantilismo rico: a imposição do monopólio na criação e na venda de certos produtos e os subsídios governamentais que impedem a entrada de produtos oriundos dos Estados mais fracos.
Em síntese evidentemente tosca, o espaço é curto, a manutenção do sistema colonial teve importância preponderante até, digamos, 1950. África, Ásia e Oceania continuaram sob domínio militar e/ou político das nações ricas. Assim, durante a primeira metade do século 20, teve "direitos" o Estado de moeda forte e controlador da culatra do canhão.
Na atual etapa planetária, caminhamos para umas 200 nações politicamente independentes, inter-relacionadas em organismos e regras supranacionais, mas sob as influências nascidas da globalização. Dois defeitos subsistem, como se o mundo não houvesse passado por qualquer mudança: (a) é imprudência ignorar a força técnica e econômica das potências dominantes; (b) o direito internacional público é manuseado pela minoria rica.
Uma das muitas formas de manuseio resulta do restrito domínio sobre os mecanismos de obtenção e difusão de notícias. Outra, incide sobre o controle das organizações mundiais, políticas e econômicas ou pela recusa pura e simples de obedecer a elas. Avaliação ignorante desses dados, pondo fé irrestrita nos princípios e na ética do direito internacional público, mostrará a formosura dos temperamentos ingênuos e puros. Para eles não há lugar no debate da realidade. Quem tiver dúvida ouça o que George W. Bush (entre outros) diz e o que ele faz.



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