São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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VIOLÊNCIA
Pediatra dizia estar apaixonada pela 1ª vez e planejava lua-de-mel; a família está destruída, afirma cunhado
Médica de 34 anos morre em cruzamento

Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
Foto de Natália no chão do cruzamento em que ela foi assassinada


DA REPORTAGEM LOCAL

A pediatra Natália Rodrigues Garcia não escondia de ninguém que, pela primeira vez em 34 anos, estava apaixonada. "Ela estava eufórica. Dizia que sua maior alegria era andar de mãos dadas com o namorado na praia. Ela nunca tinha feito isso", conta seu cunhado, o empresário Augusto Humberto Mena, 33. Para comemorar a paixão, Natália e o namorado iriam à Itália no final de julho.
Seu sonho acabou no dia 19 daquele mês, quando parou no cruzamento da rua Vergueiro com a avenida Tancredo Neves (zona sudeste de São Paulo). Um assaltante aproximou-se do Vectra de Natália e, ao vê-la falando no celular, atirou na cabeça dela. Era por volta das 22h. Após 12 horas de coma, a médica morreu.
Na hora do assalto, ela falava com o cunhado ao celular -dava instruções sobre a reação que a vacina contra sarampo provocara na filha dele. "Pô! Augusto Humberto, vou ser assaltada. O que eu faço?" Ele não teve tempo de responder. "Não, não, não!", foram suas últimas palavras.
A pediatra passava havia dez anos pelo cruzamento. "Ela vivia dizendo que aquele cruzamento era perigoso", diz Mena. Moradora do Paraíso, ela voltava da Fundação Medicina do ABC, onde fazia pós-graduação. Também trabalhava no Hospital Municipal de Santo André.
"Ela vivia para os outros", resume Mena, ao descrever o caráter da cunhada. Católica, Natália frequentava a igreja de São Judas Tadeu todo dia 28. Colegas do hospital em que ela trabalhava contam que era comum ela chegar com cobertores, que comprava com o salário, para aquecer os prematuros que ficavam na maternidade.
O suposto autor do disparo, apontado pela polícia como sendo Willian da Silva Félix, 33, nem chegou a ser preso. Morreu baleado no dia 7 de agosto. A polícia descobriu que o mesmo revólver que foi disparado contra Natália havia sido usado em outros dois homicídios. Ele havia alugado a arma por R$ 50.

Família destruída
Casado com uma irmã de Natália que é dentista, Mena conta que a vida da família foi destruída após o assassinato da médica.
Mena diz que deixou a casa em que vivia no Morumbi para ficar com a sogra num apartamento no Paraíso. "Minha sogra dorme duas horas por noite", diz.
A vida de Mena também sofreu uma reviravolta. Dono de uma empresa que vende plásticos no Brás, ele costumava trabalhar até 21h, 22h. "Hoje, vou embora às 18h, sempre na paranóia."
O empresário blindou o vidro do carro e não vê a hora de comprar um carro totalmente blindado ("vou comprar, nem que seja preciso vender um imóvel").
Seu dia-a-dia virou um terror, conta. "Tenho medo de andar na rua, de ir ao cinema, de ir ao futebol. Não passo mais perto de favela, não carrego mais cartão de crédito. Fico todo arrepiado quando ouço um estouro de escapamento. Acho que é tiro. Sou outra pessoa. Tenho pavor, tenho muito medo", desabafa.
Mena não culpa ninguém pela morte de Natália. "A paz é feita por todos", acredita. Só diz não entender por que a mesma prefeitura que usa câmeras de vídeo para multar carros em avenidas não emprega essa tecnologia em cruzamentos perigosos. "Quantas mulheres vão ter de morrer até fazerem isso?", pergunta. (MCC)




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