São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

Próximo Texto | Índice

Explode falsificação de remédios no Brasil

Só neste ano já houve 7 denúncias, contra 10 de 1999 a 2005; principais alvos são produtos contra disfunção erétil e vacina antigripal

Lote oficial pode ter até 4 milhões de comprimidos, mas o alcance do mercado clandestino é desconhecido; dono de farmácia foi preso

CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

O aposentado José, 67, de Porto Alegre (RS), usa medicamento para disfunção erétil há cinco anos, mas em janeiro último foi surpreendido por uma contínua falta de ereção. Já havia marcado consulta no urologista quando descobriu o motivo: o remédio era falso.
Neste ano, as denúncias de falsificações de medicamentos cresceram sete vezes em relação a 2005. Até sexta-feira, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) havia recebido sete alertas de pelo menos 14 lotes de remédios falsos. Em 2005, houve uma denúncia e, entre 1999 e 2004, nove.
Um lote oficial de remédio pode conter de 100 mil a 4 milhões de comprimidos, por exemplo. Nos falsos, nem as autoridades de saúde nem os fabricantes fazem idéia da quantidade despejada no mercado.
No Conselho Regional de Farmácia paulista, o aumento de denúncias de remédios falsos, especialmente os contrabandeados, quase triplicou: foram 25 reclamações neste ano contra uma média de dez nos anos anteriores.
Drogas para disfunção erétil (Viagra e Cialis) e vacinas contra gripe são até agora as mais visadas pelos falsários. Segundo Roberto Barbirato, gerente-geral de inspeção da Anvisa, as denúncias vieram de pacientes, dos laboratórios ou de farmácias que desconfiaram da farsa.
Mas, em alguns casos, houve participação de farmácias no crime. Em uma delas, onde José era freguês, no centro de Porto Alegre, foram achadas 37 caixas de Cialis falso. O dono foi preso depois de uma denúncia de um usuário. O crime é hediondo, inafiançável e com pena de 10 a 15 anos de reclusão.
Barbirato diz que é mais comum os falsificadores procurarem farmácias de periferia ou no interior dos Estados, que não pertencem às grandes redes. A venda também pode ocorrer em barracas de camelôs e feiras livres. Além do Rio Grande do Sul, já houve apreensões nos Estados de São Paulo, Paraná, Minas, Goiás, Mato Grosso e Rio de Janeiro.
Um ponto em comum nos remédios falsificados foi a falta de tinta reativa ("raspadinha"), medida criada pelos fabricantes para coibir as fraudes. Nos lotes falsos há uma tinta que, ao ser raspada, fica preta.
A verdadeira extensão do mercado brasileiro de remédios falsos é uma incógnita. Os casos investigados até o momento apontam para vários pequenos grupos de falsários, sem ligação. Mas as informações são incipientes porque não há no país uma rede que reúna informações sobre esse crime.
A Anvisa diz ser um órgão regulador, que não tem controle sobre o mercado ilícito. Ao receber denúncias, repassa às vigilâncias sanitárias estaduais a ordem de apreender os remédios falsos e de autuar os responsáveis, mas não recebe retorno das vigilâncias sobre a conclusão das operações. Os órgãos estaduais, por sua vez, pouco conversam entre si e com as polícias Civil e Federal.
Em 2005, o Brasil passou a fazer parte de uma rede internacional de prevenção e combate à falsificação e à fraude de remédios, que segue as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), mas, de concreto, nada ocorreu.
Também no ano passado, a Anvisa e a Casa da Moeda do Brasil firmaram um acordo para desenvolver um selo de segurança capaz de inibir as falsificações. Porém, não há prazo para a medida ser implantada.
No âmbito policial, o foco das investigações tem sido os remédios contrabandeados, de uso ilegal no país, como os anabolizantes e drogas abortivas, que também são falsificados.
Segundo o perito criminal Amaury de Souza Júnior, do instituto de criminalística da Polícia Federal, é comum os medicamentos falsos contrabandeados conterem o princípio ativo da droga, em menor quantidade, e outras impurezas que não existem no remédio original. "A principal conseqüência é a falta de eficácia."
Para Roberto Barbirato, da Anvisa, a maioria das falsificações acontece em "fundos de quintal". "Quanto mais a gente aperfeiçoa os mecanismos de fiscalização, mas os falsários se aperfeiçoam. É uma brincadeira de gato e rato."


Próximo Texto: Combate às fraudes não é organizado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.