São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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DANUZA LEÃO

Ivan, o terrível


Para ter direito a fazer parte de seu círculo, é preciso uma qualidade essencial: que haja um passado que os una

A IMPRENSA noticiou, na última semana, a chegada de Ivan Lessa ao Rio, depois de 28 anos em Londres, sem vir ao Brasil. Disseram que foi visto no Bracarense, na confeitaria Colombo, na Forneria, na Casa da Feijoada, e também entrando em endereços suspeitos, acompanhado de pessoas também suspeitas, em apartamentos na praça General Osório, Vieira Souto e Barão da Torre -mas ninguém garante nada.
Ivan, escritor, jornalista, um dos melhores textos da imprensa brasileira, é um mistério. Às vezes aparece num jornal, escrevendo sobre o que quer, e depois, como por encanto, desaparece. Há quem diga que está em excelente forma, com a cabeça toda branca, que tem uma filha casada morando no condado de Kent, na Inglaterra (mais chique, impossível), que só toma guaraná e água de coco e só dirige a palavra a amigos muito próximos, que são poucos.
Que continua o melhor dos papos, com uma memória prodigiosa, e que se lembra de coisas -com detalhes- que até Deus duvida. Ele sabe de tudo: de teatro, cinema, do que se passa no mundo, as letras de todas as músicas de Cole Porter, como estavam fantasiadas algumas antigas amigas no baile do Copacabana de 1965, quem elas namoravam (um perigo!), e até as marchinhas de Carnaval da época ele é capaz de cantar de cor, dizem.
Há até quem afirme que ele, no tal Carnaval, estava fantasiado de pirata. Tudo pode ser verdade -ou não.
Mas o que estaria Ivan fazendo no Brasil, depois de 28 anos? Há quem garanta que durante esse período ele esteve no Rio várias vezes, mas esse é um assunto que pode levar a intermináveis e até violentas discussões. Alguns juram que não é verdade, chegam a dizer que é uma calúnia, enquanto outros asseguram que ele foi visto, sim, incógnito, pelas ruas do Rio. Quem estará com a razão?
Além de escrever -muito bem-, Ivan é lembrado por alguns amigos de boa memória dos tempos em que morava no Leme, antes de 1965, e que era famoso por ser um excelente jogador de pôquer. Ivan, Leon Eliachar e Millôr Fernandes juntos, em volta de uma mesa: que perigo.
"Seus 400 mais 800"; "seus 800 mais 1.600". Um deles podia ter par de seis, outro uma seqüência e o terceiro rigorosamente nada. Ninguém tinha condição de sacar se algum dos três estava blefando ou todos. Quem participou dessas mesas lembra até hoje, pois nunca houve uma roda de pôquer como essa.
Mas, volta a pergunta: o que estaria Ivan Lessa fazendo no Rio? Saudades da terra natal? Vontade de rever os amigos? Essas são, apenas, conjeturas; terá ele mesmo estado no Rio? E quem vai saber?
Seus comparsas, que fazem parte de um Olimpo muitíssimo restrito, não dizem nem que sim nem que não; faz parte da vida de Ivan viver envolto em brumas, e poucos são os que o viram mesmo em Londres, onde ele vive há tanto tempo, e que, segundo a lenda, tem um gato. Porque Ivan não é figurinha fácil: para ter direito a fazer parte de seu círculo, é preciso uma qualidade essencial: que haja um passado que os una. Difícil Ivan fazer novos amigos.
Quase impossível, eu diria. Mas isso se Ivan existir, o que ninguém, até hoje, conseguiu provar; sobre esse assunto, aliás, há enormes e variadíssimas controvérsias.
danuza.leao@uol.com.br

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