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VELÓRIO
Familiares e amigos de menor morto na Febem reclamam Justiça durante enterro
"Américo era bom", diz irmão caçula
Evelson de Freitas/Folha Imagem
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Zelita de Oliveira (esq.), mãe de Américo de Oliveira, o irmão Dione e o padre Júlio Lancellotti em velório na Vila Alpina |
CYNARA MENEZES
especial para a Folha
O que vai ser do menino Dione, que não tem pai e cujo irmão
adolescente o via ontem pela última vez, com o rosto coberto de
hematomas, através do vidro de
um caixão?
A imagem do menino de 11
anos, que não parou de chorar
nem um minuto sequer mesmo
depois que o corpo do irmão
baixou à sepultura, foi o que ficou do enterro de Américo Nonato de Oliveira, morto anteontem, aos 17 anos, na rebelião da
Febem Imigrantes.
Havia pouca gente, mas o suficiente para lotar a capela do Cemitério da Vila Alpina, onde
aconteceu o velório. Eram amigos de Américo da Casa do Menor e membros da Pastoral do
Menor, que sustenta a família
em uma casa de um cômodo só
no bairro paulistano da Mooca.
A mãe, Zelita, também chorava muito e não falou. A irmã,
Graziela, 18, desmaiou e não pôde acompanhar o enterro. Dione
repetia: "Meu irmão, meu irmão". Como era o Américo,
Dione? "Era bom."
Em um canto, o primogênito
da família, que se identificou
apenas como Oliveira, murmurava sua revolta contra a "injustiça do sistema" e especulava sobre o destino do caçula da família. "Ele fala que quer ser igual a
mim, trabalhar, estudar. Não
sou muita coisa, não, mas o que
eu faço é o certo."
Oliveira, 26, é agente de segurança e vive em um bairro afastado da mãe e dos meio-irmãos
-é filho de Zelita com outro homem, que a abandonou. O pai
dos meninos morreu em uma
tentativa de assalto. Oliveira só
soube que Américo estava envolvido com drogas quando, diz
ele, "já era tarde".
Não culpa a mãe, doméstica,
pelo que aconteceu. "Minha
mãe sempre batalhou. É a "companheiragem" que influencia. Se
você tiver cabeça fraca, então, é
pior. Queria tanto que ele jogasse no meu time, por que foi jogar
no time errado?"
O padre Júlio Lancellotti, da
Pastoral do Menor, teve que
conter as lágrimas quando exortou: "Américo, que os anjos te
conduzam ao paraíso."
Lancellotti e os meninos que
estavam no velório falavam da
intenção do menor de se internar em uma clínica de desintoxicação e mudar de vida.
"Eu disse para o Américo:
"quer que eu mande colocar esse
dente que está faltando aí na tua
boca? Então em troca você vai se
internar'", contou o padre Júlio.
"Ele aceitou, mas a burocracia
da Justiça não deixou que tirássemos ele de lá a tempo."
"O Américo era um moleque
calmo", disse W., 17, o amigo
que o havia encaminhado à pastoral no segundo semestre deste
ano. "Era raro ele brigar comigo", disse a namorada, S.R.L., 24.
"O Américo ia nas palestras da
Casa do Menor e dizia que queria parar com o crack. Era alegre", disse T., 15, ex-viciada que
esteve internada às custas da
Pastoral, como queria Lancellotti para Américo.
"Nós é que pagamos a recuperação, não é o Estado", disse o
padre. "O Américo era um menino com problemas neurológicos, tomou Gardenal (medicamento controlado) na infância,
tinha dependência química em
crack e ultimamente estava
usando álcool. Não era um jovem perigoso, agressivo."
Quando o caixão de Américo
foi coberto pela terra vermelha,
o padre deu a deixa para a crítica
social, puxando o coro para o hino da pastoral, em cuja letra irônica tropeçavam os presentes:
"Dizem que este país é feliz porque o povo canta na rua. Dizem
que o país não vai mal porque o
povo ainda faz Carnaval."
Márcia e Valdir de Oliveira,
um casal de olhar assustado, observava tudo de longe. São os
pais do menor B.M.O., 15, interno da Febem Imigrantes, acusado de participar de sequestro.
"Na Febem tem 20% de meninos perigosos e 60% de "laranjas", garotos que entraram numa
"roubada", como o meu. Só que
lá misturam tudo, os bons e os
ruins. Meu filho está sendo
ameaçado porque é bom. Tenho
medo de que seja o próximo",
disse Valdir.
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