São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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DANUZA LEÃO

Os prazeres da paternidade

Dizem que os pais não conhecem os filhos, o que é a mais pura das verdades. E os filhos, como também não conhecem os pais, esperam deles o equilíbrio total, a coragem, a segurança e a capacidade de agir de maneira sensata em todos os momentos. Não, os filhos não conhecem os pais, e por isso esperam -aliás, exigem- que eles sejam fortes e perfeitos.
Ignoram que, apesar dos anos terem passado, muitos continuam frágeis e inseguros, e alguns ainda não aprenderam a lidar com sua própria vida, que dirá com a dos filhos. Obrigação de ser forte? E quem não for, como é que faz?
Quando um deles não vem dormir em casa e não avisa, esses pais simplesmente não sabem o que fazer. Depois do mais óbvio, que é dizer o quanto ficaram preocupados etc. e tal, têm que escolher um rumo: serem compreensivos, dar uma bronca ou perguntar que tal a gata. Que problema.
Apesar de procurarem se informar sobre como se comportar diante de certos problemas juvenis, quando constatam, com a certeza que a memória lhes traz, que seu querido filho anda puxando um fumo, não conseguem encontrar a maneira certa de abordar o assunto; esse pai, que foi jovem nos anos 70, não tem nem o direito de ser careta. Diálogo? E qual o adolescente de olhos vermelhos, fumado, que dialoga? E como esse pai, que sempre foi tão moderno e tão companheiro, vai reprimir um filho, logo ele, que sempre declarou ter horror à palavra repressão?
Ele sabe que isso é coisa da idade, que provavelmente vai passar, mas não pode liberar -afinal, pai é pai. Ameaçar nem pensar -aliás, ameaçar como? Botando de castigo? Cortando a mesada? Só rindo. Explicar os perigos de ser apanhado numa blitz e ir parar numa delegacia é uma; mas se é por aí, então em casa pode, dizem os adolescentes -nessa hora eles dialogam como ninguém. Ok, pode; mas todos os dias ou só nos fins de semana? E só no quarto ou libera geral, na sala, vendo a novela? E isso não é um péssimo exemplo para o irmãozinho de cinco anos? E esse pai sabe o que deve fazer? Claro que não.
Tem também a irmã, com 16 anos, que quer levar o namorado para dormir em casa. Afinal, se o irmão pode, ela também pode. Ah, mas ela é mulher; e daí, mulher é diferente de homem? Não entre por esse caminho que você vai se dar mal. Ah, detalhe: como o pai é solteiro, costuma também levar as suas namoradas para casa.
Dinheiro para motel a garotada não tem, e essa despesa ser do pai -você- também é demais; transar no carro não dá, pois a polícia está aí mesmo, atenta, zelando pela moral e pelos bons costumes da família brasileira. Então pode levar o namorado para dormir em casa? Pobre pai. Ok, conhece o garoto e a família do garoto (como se isso mudasse alguma coisa); ok, pode. Mas um dia eles brigam e começa o troca-troca de namorado. Ah, o novo não pode? Por que, se o antigo podia? Ok, pode. Só que daí a uma semana já é outro, e num apartamento em que a irmã leva o namorado para dormir, o irmão leva as gatas e a maconha é liberada, esse que um dia foi um lar vai virar a própria casa da mãe Joana, e de quem é a obrigação moral de botar ordem na casa? Do pai, é claro; do pobre pai. Mas tomando todas as precauções para não ser tachado de hipócrita, a pior ofensa que se pode ouvir de um filho.
Bem difícil ser pai.
PS: O assunto não acabou.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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