São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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Vítimas não conseguem justificar ato

DA SUCURSAL DO RIO

Em 1999, um menino de dez anos foi atendido pela equipe de plantão no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha (zona norte), depois de tomar veneno contra rato. O garoto dizia que era infeliz e, por isso, queria morrer.
Seria mais um episódio entre os crescentes casos de tentativa de suicídio envolvendo crianças e jovens no Rio de Janeiro. Chocada com a pouca idade e a enorme depressão do garoto, a equipe passou a reparar na repetição de ocorrências do tipo, notificando-as nas fichas de maus-tratos.
Com a continuidade do trabalho, foi elaborada no hospital uma ficha própria para tentativas de suicídio e, em maio deste ano, o Getúlio Vargas criou o Nates (Núcleo de Atenção à Tentativa de Suicídio).
Só em 2002, o serviço já notificou 132 tentativas de suicídio -47,7% delas de jovens de 13 anos a 25 anos. Em três casos, as tentativas foram feitas por crianças de 10 anos a 12 anos.
Segundo os técnicos do Nates, os motivos alegados pelos jovens para tentar o suicídio são os mais variados e nem sempre explicitados por eles. Muitos não sabem justificar o que fizeram.
Às vezes, uma briga com a mãe ou com o namorado é, não o motivo principal da tentativa de suicídio, mas a gota d'água para a decisão, depois de uma rotina de frustrações e depressão.
Um dos casos atendidos pelo Nates é o de uma jovem que incendiou o corpo e o rosto, mas, a princípio, não sabia dizer a razão de sua atitude. Aos poucos, foi contando que se sentia infeliz com a falta de estrutura familiar, pois vive em casa de parentes e não podia contar muito com a ajuda da mãe.
"Esses jovens muitas vezes não têm uma estrutura familiar tradicional como é idealizada pela nossa cultura, com pai e mãe cuidando deles. Temos de lidar com essa realidade e buscar alternativas para incluir a família no tratamento", afirma Luciana Dantas, psicóloga do Nates.

Veneno
Outro caso é o de um jovem demitido do emprego e abandonado pela noiva. O rapaz também já havia parado de estudar. Com a perda do emprego e do romance, reagiu tomando veneno.
"O suicídio é um fenômeno complexo. Há pessoas que tentam se matar num surto psicótico, outras usam álcool ou drogas, outras enfrentam problemas. Não temos uma rotina uniforme de tratamento nem fazemos nada em grupo, porque entendemos que cada pessoa tem sua própria história", afirma Denise Estachiote, assistente social do núcleo.
O Nates atende hoje cerca de 20 pacientes com uma equipe multidisciplinar, composta por cinco psicólogas, duas psiquiatras e duas assistentes sociais.
Além da dor da perda, a família de alguém que se suicida ainda depara com sentimentos como culpa e vergonha. Por isso, há casos em que a verdadeira circunstância da morte é ocultada.
"A nossa ética judaico-cristã não convive bem com a questão do suicídio diante da idéia de que, se Deus deu a vida, só ele pode tirá-la", afirma a psicóloga Edinilsa Ramos de Souza, co-autora do estudo sobre suicídio.
A família do suicida, segundo ela, sente-se culpada muitas vezes por não ter conseguido impedir a morte, por não ter acreditado nessa possibilidade ou percebido eventuais "avisos" de que a pessoa poderia se matar.
"É preciso incluir a família em qualquer tentativa de estabilização emocional de uma pessoa que tentou o suicídio", afirma Souza.
A psicóloga do Claves aponta a prevenção e o controle de armas como formas de deter o avanço dos suicídios de jovens no Brasil. As armas de fogo são o segundo método de suicídio mais utilizado, perdendo para enforcamentos e estrangulamentos.
Na avaliação da pesquisadora, o problema da subnotificação ainda existe. As taxas de suicídio podem ser maiores, tanto por ocultação de casos como por falta de qualidade na informação de saúde e dificuldade de distinguir morte acidental de suicídio. (FE)


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