São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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URBANISMO

Instituto Pólis, Fapesp e PUC lançam material que tenta traduzir a linguagem dos urbanistas e formar agentes

Jogo de RPG ensina a fazer plano diretor

SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Instituto Pólis, organização não-governamental de formação em políticas sociais, lançou um jogo do tipo RPG que ensina a elaborar planos diretores, a lei municipal que organiza o crescimento e funcionamento da cidade.
O grupo de especialistas que criou o jogo partiu do princípio de que o planejamento urbano usa conceitos -como "edificação compulsória"- que bem poderiam ter sido retirados de um dicionário de javanês.
O RPG integra um conjunto de materiais didáticos chamado "Kit das Cidades", que inclui de fitas de vídeo a CDs com vinhetas de rádio convocando a população para o debate, além de cartilhas.
O produto é para aplicação imediata. Qualquer município que não disponha de quadros técnicos para elaborar o seu plano diretor pode obter ajuda seguindo o roteiro proposto no kit.
O material é resultado de uma pesquisa de três anos que uniu o Pólis à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e à PUC de Campinas.
O Lincoln Institute of Land Policy de Cambridge (EUA), especializado em políticas urbanas, e a Caixa Econômica Federal apóiam a iniciativa. O kit é distribuído gratuitamente mediante solicitação por ofício ao instituto.
Técnicos também podem pedir o material, já que na maioria das vezes o urbanismo impõe dificuldades até para quem atua na área.
Segundo a arquiteta-urbanista Paula Santoro, que trabalhou em parceria com o colega de profissão Renato Cymbalista, as peças do kit foram elaboradas durante experiências com promotores públicos, lideranças populares, prefeitos e técnicos.
"Em geral, quando você vai falar sobre legislação urbanística, o desânimo é perceptível. As pessoas conversam sobre isso querendo resolver problemas pontuais, como um novo shopping que incomoda o bairro residencial. E o que se discute é uma visão global da cidade, que envolve o cumprimento da sua função social", diz.
Nos vários testes realizados com o material, três cidades paulistas se destacaram: Guarulhos, administrada por Elói Pietá (PT), Limeira, município no interior administrado por José Carlos Pejon (PSDB), e Caraguatatuba, litoral norte, cujo prefeito é Antônio Carlos da Silva (PSDB).
"O planejamento urbano, no Brasil, tem tradição de trabalhar em linguagem cifrada", afirma a urbanista Raquel Rolnik, coordenadora do projeto.
Em sua avaliação, as discussões que precedem a elaboração de um plano diretor não conseguem mobilizar os técnicos do próprio governo. "Falta noção de conjunto, quando o que se está discutindo -o destino da cidade- envolve a todos", diz.
Por essa razão, os debates acabam polarizados entre a prefeitura e o setor imobiliário, cujo lucro futuro depende do que for decidido no plano diretor.
O "Jogo das Cidades", título do RPG de urbanismo, reproduz esse e outros conflitos. Inicialmente, foi planejado algo parecido com o Banco Imobiliário, jogo no qual vence aquele que acumular o maior patrimônio. "O ideal era não ter vencedor", diz Paula.
Por isso, o gênero escolhido foi o RPG ("role playing game"), no qual os participantes têm de interpretar um papel ("role").

Cidadãos e futebol
A aprovação, no ano passado, do Estatuto da Cidade, lei federal que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição, tornou a necessidade de discutir planejamento urbano ainda mais urgente. O artigo 50 dessa lei obriga municípios com mais de 20 mil habitantes a terem planos diretores e dá prazo máximo de cinco anos.
O estatuto oferece instrumentos para uma reforma urbana que garanta acesso à cidade para toda a população. Entre os mecanismos está a "edificação compulsória", que dá direito à prefeitura de forçar proprietários de terrenos ociosos a utilizá-los, sob pena de desapropriação paga com títulos da dívida pública.
O processo de urbanização brasileiro é considerado por especialistas um dos fenômenos mais espantosos do século passado. Em 1960, 44,7% da população vivia em cidades. Em 2000, essa porcentagem subiu para 81,2%. Resultado: cidades precárias e "injustas", de bairros para ricos com infra-estrutura de Primeiro Mundo e periferias de países africanos em processo de guerra civil.
"O estatuto ainda é pouco conhecido", lamenta Raquel Rolnik. "A utopia maluca é que as cidades brasileiras serão boas no dia em que os cidadãos conseguirem discutir urbanismo como se discute futebol. Eu, por exemplo, acho complicadíssimo entender o futebol", diz a arquiteta-urbanista.

Onde encontrar - www.polis.org.br; cdi@polis.org.br; telefone: 0/xx/11/ 3258-6121, r. 227


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