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PASQUALE CIPRO NETO
Uma faixa cada vez mais lassa
Estava na (memorável, como sempre) charge da Folha
da última segunda-feira: "Então
por que a faixa não pára de lacear?" Dita pela mulher do presidente Lula, a frase encerra um
diálogo entre ela e uma fâmula
da corte. Na primeira parte da
conversa, uma intrigada dona
Marisa pergunta à criada se esta
usara o melhor sabão em pó, se
esfregara à mão e se usara amaciante. A resposta a todas as perguntas foi "sim, senhora".
Pois bem. Onde está o nosso busílis, ou seja, o nosso xis do problema? Já sabe qual é, caro leitor?
Vamos lá: está em "lacear", vocábulo que simplesmente não existe, não tem registro etc. Em seu lugar, deveria ter sido empregada a
forma "lassear", da mesma família de "lasso", "lassidão" etc.
Como bem mostra o desenho
(em que um ínfimo Lula aparece
envolto por uma folgadíssima faixa presidencial, que lhe deixa de
fora apenas a cabeça), a faixa não
pára mesmo de lassear, malgrado
os cuidados da prestimosa criada.
Quem é que, ao comprar calçados, nunca ouviu o vendedor dizer que o sapato "lasseia"? Pois
esse "lasseia" é do verbo "lassear",
que significa "tornar(-se) lasso",
ou seja, "afrouxar(-se)". Pois é aí
que o bicho pega. Por extensão,
"lasso" significa "devasso", "libertino". Quem procura "libertino"
no "Aurélio" encontra isto: "Livre
de qualquer peia moral". Ai, ai,
ai... Qualquer semelhança entre a
teoria e a prática dos próceres petistas não será mera coincidência.
Você viu, caro leitor, aonde nos
levou um simples cochilo ortográfico? Não fora ele (o cochilo), talvez não pudéssemos trocar dois
dedos de prosa sobre todos os significados (explícitos e implícitos)
resultantes da livre interpretação
da bela charge de Jean. O cochilo,
por sinal, talvez se deva à influência da grafia de "laço" ou "laçar".
Convém lembrar que "lasso" e
"laço" são homófonos (palavras
que têm pronúncia igual, mas
grafia e significado diferentes).
Alguns dicionários (o "Houaiss",
por exemplo) dão "homófono" e
"homônimo" como sinônimos.
Por falar em "lassear" (e, por
extensão, nos demais verbos terminados em "-ear"), convém
amenizar as agruras gráficas por
que passa quem precisa flexionar
verbos que apresentam essa terminação. É sempre bom insistir:
em quatro (eu, tu, ele e eles) das
seis flexões dos dois presentes (o
do modo indicativo e o do modo
subjuntivo), surge a letra "i" depois do radical (que, no caso do
verbo "lassear", é "lasse-").
Vamos lá: eu lasseio, tu lasseias,
ele lasseia, nós lasseamos, vós lasseais, eles lasseiam (presente do
indicativo); que eu lasseie, que tu
lasseies, que ele lasseie, que nós
lasseemos, que vós lasseeis, que
eles lasseiem (presente do subjuntivo). Bem, diante da atual conjuntura, é bom que ninguém lasseie sua conduta ou princípios...
Voltando à terminação "-ear",
não custa lembrar que as flexões
de "lassear" servem de referência
para verbos como "recear" (ele receia, nós receamos, que ele receie,
que nós receemos), "frear" (ele
freia, nós freamos, que ele freie,
que nós freemos), "nortear" (ele
norteia, nós norteamos, que ele
norteie, que nós norteemos) etc.
Para fecharmos a conversa, poderíamos lançar mão de uma frase que exemplificasse abrangentemente o que vimos. Vamos lá: "O
descaminho norteia a quem sua
conduta lasseia". Oba! Já posso
participar da próxima festa junina da Granja do Torto! É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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