São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

Uma faixa cada vez mais lassa

Estava na (memorável, como sempre) charge da Folha da última segunda-feira: "Então por que a faixa não pára de lacear?" Dita pela mulher do presidente Lula, a frase encerra um diálogo entre ela e uma fâmula da corte. Na primeira parte da conversa, uma intrigada dona Marisa pergunta à criada se esta usara o melhor sabão em pó, se esfregara à mão e se usara amaciante. A resposta a todas as perguntas foi "sim, senhora".
Pois bem. Onde está o nosso busílis, ou seja, o nosso xis do problema? Já sabe qual é, caro leitor? Vamos lá: está em "lacear", vocábulo que simplesmente não existe, não tem registro etc. Em seu lugar, deveria ter sido empregada a forma "lassear", da mesma família de "lasso", "lassidão" etc.
Como bem mostra o desenho (em que um ínfimo Lula aparece envolto por uma folgadíssima faixa presidencial, que lhe deixa de fora apenas a cabeça), a faixa não pára mesmo de lassear, malgrado os cuidados da prestimosa criada.
Quem é que, ao comprar calçados, nunca ouviu o vendedor dizer que o sapato "lasseia"? Pois esse "lasseia" é do verbo "lassear", que significa "tornar(-se) lasso", ou seja, "afrouxar(-se)". Pois é aí que o bicho pega. Por extensão, "lasso" significa "devasso", "libertino". Quem procura "libertino" no "Aurélio" encontra isto: "Livre de qualquer peia moral". Ai, ai, ai... Qualquer semelhança entre a teoria e a prática dos próceres petistas não será mera coincidência.
Você viu, caro leitor, aonde nos levou um simples cochilo ortográfico? Não fora ele (o cochilo), talvez não pudéssemos trocar dois dedos de prosa sobre todos os significados (explícitos e implícitos) resultantes da livre interpretação da bela charge de Jean. O cochilo, por sinal, talvez se deva à influência da grafia de "laço" ou "laçar". Convém lembrar que "lasso" e "laço" são homófonos (palavras que têm pronúncia igual, mas grafia e significado diferentes). Alguns dicionários (o "Houaiss", por exemplo) dão "homófono" e "homônimo" como sinônimos.
Por falar em "lassear" (e, por extensão, nos demais verbos terminados em "-ear"), convém amenizar as agruras gráficas por que passa quem precisa flexionar verbos que apresentam essa terminação. É sempre bom insistir: em quatro (eu, tu, ele e eles) das seis flexões dos dois presentes (o do modo indicativo e o do modo subjuntivo), surge a letra "i" depois do radical (que, no caso do verbo "lassear", é "lasse-").
Vamos lá: eu lasseio, tu lasseias, ele lasseia, nós lasseamos, vós lasseais, eles lasseiam (presente do indicativo); que eu lasseie, que tu lasseies, que ele lasseie, que nós lasseemos, que vós lasseeis, que eles lasseiem (presente do subjuntivo). Bem, diante da atual conjuntura, é bom que ninguém lasseie sua conduta ou princípios...
Voltando à terminação "-ear", não custa lembrar que as flexões de "lassear" servem de referência para verbos como "recear" (ele receia, nós receamos, que ele receie, que nós receemos), "frear" (ele freia, nós freamos, que ele freie, que nós freemos), "nortear" (ele norteia, nós norteamos, que ele norteie, que nós norteemos) etc.
Para fecharmos a conversa, poderíamos lançar mão de uma frase que exemplificasse abrangentemente o que vimos. Vamos lá: "O descaminho norteia a quem sua conduta lasseia". Oba! Já posso participar da próxima festa junina da Granja do Torto! É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

E-mail - inculta@uol.com.br


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