São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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SAÚDE

É a primeira vez que doentes conseguem benefício no Estado de SP; secretaria vê intervenção "indevida" do Judiciário

Justiça ordena quebra na fila do transplante

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Pela primeira vez, dois pacientes conseguiram "furar" a fila e realizar imediatamente transplantes de fígado no Estado de São Paulo, por meio de ordens judiciais. A Justiça entendeu que, em razão da gravidade dos casos, ambos não teriam de respeitar o critério de ordem cronológica que hoje é o principal meio de organização da fila, pelas regras do Sistema Nacional de Transplantes.
As decisões geraram protestos da Secretaria de Estado da Saúde, que vê interferência indevida do Judiciário na área técnica do sistema de transplantes.
Atualmente, no entanto, o Ministério da Saúde prepara uma mudança nas regras do transplante do fígado para que a fila passe a seguir justamente o critério da gravidade. A alteração vem causando polêmica com o Ministério Público, que vê dificuldades para a fiscalização no novo modelo. O Ministério da Saúde e a secretaria entendem que, até que seja publicada a nova regra, vale o critério cronológico.
A estudante de farmácia Eliane Lopes Jimenes, 39, que estava no 595º lugar da fila, deu entrada, às 14h40 de ontem, no centro cirúrgico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (zona sul da SP) para fazer, sob ordem judicial, o segundo transplante de sua vida -o primeiro foi há 12 anos. Até o fechamento desta edição, a cirurgia não havia sido concluída. "Ou ela transplantava ou morria", justifica o marido da paciente, o comerciante Vagner Lazaro Jimenes, 40, que aguardava apreensivo o fim da operação ao lado da filha Gabriela, de 14 anos.
Eliane, que foi operada por meio do plano de saúde, sofria de cirrose biliar primária -a doença provoca necrose do órgão- e já estava com problemas nos pulmões. "O mais importante é que entendam que critério cronológico mata as pessoas. Se fosse esperar a mudança da lei, com certeza em duas semanas estaria no velório", disse o marido da paciente.
O médico que operou Eliane, Maurício Barros, faz parte da equipe da clínica Pró-Fígado, encabeçada por Hoel Sette Júnior, especialista que participou da comissão que preparou as novas normas do ministério. Segundo ele, já houve decisões judiciais iguais no Rio Grande do Sul. Mas Sette Júnior afirma não ter incentivado a paciente a entrar com a ação na Justiça.
Segundo o hepatologista, não é verdadeira a tese de que pacientes graves tenham mais chances de ter uma evolução ruim após receberem o transplante.
A Folha não conseguiu localizar a família da paciente H.A.P..
Na decisão que beneficiou a paciente Eliane, a juíza Fatima Aparecida Douverny, do 8º Ofício Cível de São Bernardo do Campo, afirma que o critério cronológico é "falho e insuficiente". Mas destacou que a estudante não poderia passar na frente de pessoas em estado igual ou pior.
O secretário de Estado da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, discorda. "Até que se mude a regra, o Judiciário não pode fazer exceção. Sob pena de que os que tiverem dinheiro e constituírem advogado passarem na frente". Hoje 3.832 pessoas esperam um fígado no Estado. A espera pode demorar de quatro a cinco anos.
No caso da paciente H.A.P., o Tribunal de Justiça chegou a derrubar a liminar, a pedido da Secretaria da Saúde, na tarde de ontem, mas o transplante já tinha ocorrido, disse o secretário.
Nas outras cinco vezes em que pacientes graves tinham tentado furar a fila, o transplante não se concretizou. Em um caso, o paciente morreu antes da decisão.
Pela regra que o ministério quer implantar, a gravidade será avaliada com base no Meld, um modelo matemático que cruza três exames laboratoriais.
A mudança só será implantada em 2006, diz o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Amâncio Carvalho.
Segundo ele, foi necessário desenvolver um sistema informatizado específico para usar o novo critério na seleção de pacientes.


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