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SAÚDE
É a primeira vez que doentes conseguem benefício no Estado de SP; secretaria vê intervenção "indevida" do Judiciário
Justiça ordena quebra na fila do transplante
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Pela primeira vez, dois pacientes conseguiram "furar" a fila e
realizar imediatamente transplantes de fígado no Estado de
São Paulo, por meio de ordens judiciais. A Justiça entendeu que,
em razão da gravidade dos casos,
ambos não teriam de respeitar o
critério de ordem cronológica que
hoje é o principal meio de organização da fila, pelas regras do Sistema Nacional de Transplantes.
As decisões geraram protestos
da Secretaria de Estado da Saúde,
que vê interferência indevida do
Judiciário na área técnica do sistema de transplantes.
Atualmente, no entanto, o Ministério da Saúde prepara uma
mudança nas regras do transplante do fígado para que a fila
passe a seguir justamente o critério da gravidade. A alteração vem
causando polêmica com o Ministério Público, que vê dificuldades
para a fiscalização no novo modelo. O Ministério da Saúde e a secretaria entendem que, até que seja publicada a nova regra, vale o
critério cronológico.
A estudante de farmácia Eliane
Lopes Jimenes, 39, que estava no
595º lugar da fila, deu entrada, às
14h40 de ontem, no centro cirúrgico do Hospital Alemão Oswaldo
Cruz (zona sul da SP) para fazer,
sob ordem judicial, o segundo
transplante de sua vida -o primeiro foi há 12 anos. Até o fechamento desta edição, a cirurgia não
havia sido concluída. "Ou ela
transplantava ou morria", justifica o marido da paciente, o comerciante Vagner Lazaro Jimenes, 40,
que aguardava apreensivo o fim
da operação ao lado da filha Gabriela, de 14 anos.
Eliane, que foi operada por
meio do plano de saúde, sofria de
cirrose biliar primária -a doença
provoca necrose do órgão- e já
estava com problemas nos pulmões. "O mais importante é que
entendam que critério cronológico mata as pessoas. Se fosse esperar a mudança da lei, com certeza
em duas semanas estaria no velório", disse o marido da paciente.
O médico que operou Eliane,
Maurício Barros, faz parte da
equipe da clínica Pró-Fígado, encabeçada por Hoel Sette Júnior,
especialista que participou da comissão que preparou as novas
normas do ministério. Segundo
ele, já houve decisões judiciais
iguais no Rio Grande do Sul. Mas
Sette Júnior afirma não ter incentivado a paciente a entrar com a
ação na Justiça.
Segundo o hepatologista, não é
verdadeira a tese de que pacientes
graves tenham mais chances de
ter uma evolução ruim após receberem o transplante.
A Folha não conseguiu localizar
a família da paciente H.A.P..
Na decisão que beneficiou a paciente Eliane, a juíza Fatima Aparecida Douverny, do 8º Ofício Cível de São Bernardo do Campo,
afirma que o critério cronológico
é "falho e insuficiente". Mas destacou que a estudante não poderia passar na frente de pessoas em
estado igual ou pior.
O secretário de Estado da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata,
discorda. "Até que se mude a regra, o Judiciário não pode fazer
exceção. Sob pena de que os que
tiverem dinheiro e constituírem
advogado passarem na frente".
Hoje 3.832 pessoas esperam um
fígado no Estado. A espera pode
demorar de quatro a cinco anos.
No caso da paciente H.A.P., o
Tribunal de Justiça chegou a derrubar a liminar, a pedido da Secretaria da Saúde, na tarde de ontem, mas o transplante já tinha
ocorrido, disse o secretário.
Nas outras cinco vezes em que
pacientes graves tinham tentado
furar a fila, o transplante não se
concretizou. Em um caso, o paciente morreu antes da decisão.
Pela regra que o ministério quer
implantar, a gravidade será avaliada com base no Meld, um modelo matemático que cruza três
exames laboratoriais.
A mudança só será implantada
em 2006, diz o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Amâncio Carvalho.
Segundo ele, foi necessário desenvolver um sistema informatizado específico para usar o novo
critério na seleção de pacientes.
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