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PASQUALE CIPRO NETO
"Mesmo mais caro..."
Tem sido comum nos vestibulares a abordagem da coerência textual. Trata-se do nexo
que deve haver entre as idéias
apresentadas num texto.
Um dos itens mais importantes
para a consecução da tão desejada coerência é o emprego adequado dos conectivos. Numa frase como "Corri muito, mas não
alcancei o ônibus", por exemplo,
o emprego do conectivo adversativo "mas" é adequado, uma vez
que existe adversidade entre o
que motiva a pessoa que corre (alcançar o ônibus) e o resultado do
processo (não alcançar o ônibus).
Pois bem. Suponha que um jornal faça um teste comparativo entre dois automóveis que, embora
pertençam ao mesmo segmento
de mercado, apresentam preços
significativamente diferentes. A
priori, quem procura uma justificativa para a diferença de preço
pode supor que o mais caro seja
tecnologicamente mais avançado, mais equipado etc., não?
Feita a análise dos dois carros,
constata-se que o mais caro é inferior. Nesse caso, seria perfeitamente cabível dizer algo como
"Embora seja mais caro, X perde
para Y" ou "Embora seja mais caro, X é inferior a Y". Não foi o que
se viu recentemente no título de
um dos nossos jornais. "Mesmo
mais caro, X supera Y", afirmava
o periódico. Convenhamos, caro
leitor: se não é incoerente, esse título é no mínimo estranho.
Como o senso comum diz que o
que é mais caro tende a ser melhor, mais avançado etc., não parece coerente dizer que, embora
seja mais caro, X é melhor.
Por falar em "mesmo", convém
lembrar que o "Aurélio" não dá a
essa palavra o sentido de "embora" ou "apesar de"; o "Houaiss"
registra (como equivalente de
"embora", "apesar de") a expressão "mesmo que", de que dá este
exemplo: "Mesmo que advertido
sobre roubos na Europa, várias
vezes andou com a carteira à
mostra". O uso vivo, no entanto,
parece ter consagrado a forma
simplificada "mesmo" ("Mesmo
advertido sobre roubos...").
É conveniente lembrar também
que a expressão "mesmo se", muito usada na linguagem oral e em
diversos registros escritos, é outra
que não encontra abrigo nos nossos dicionários. De acordo com o
que se vê nessas obras, uma frase
como "Haverá jogo, mesmo se
chover" deve ser trocada por "Haverá jogo, mesmo que chova".
Voltando à questão da (in)coerência, veja este outro exemplo,
também tirado de texto jornalístico: "O Santos ganhou mais uma
de virada, em plena Vila Belmiro". Que lhe parece? Dizem as lendas do futebol que, quando jogam
em casa, times fortes são favoritos. Até prova em contrário, o time do Santos é forte, e a Vila Belmiro é a casa dessa gloriosa equipe. Não é de estranhar, pois, que o
Santos ganhe em casa, qualquer
que seja seu adversário.
É incoerente, portanto, o uso da
expressão "em plena Vila Belmiro" para falar de uma vitória do
esquadrão peixeiro. Essa expressão seria coerente em caso de derrota em casa do grande alvinegro
praiano: "O Juventus derrotou o
Santos em plena Vila Belmiro"
(não é pecado sonhar, é?).
As observações feitas nesta coluna são importantes para os vestibulandos e para aqueles que se
dedicam à sempre difícil tarefa de
escrever. O emprego criterioso dos
elementos de conexão e a análise
do valor semântico de certas expressões são muito importantes
para que não se construam textos
incoerentes. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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