|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Chuva não é o problema, afirmam analistas
Ocupações irregulares são a principal causa das mortes, dizem especialistas
Defesa Civil do Estado de Santa Catarina admite que há falha de fiscalização pelo poder público, mas diz que avaliação é "desonesta"
EVANDRO SPINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
As mortes que ocorreram no
Estado de Santa Catarina na última semana não foram causadas pelas chuvas intensas, mas
pela ocupação irregular de
áreas de risco, de acordo com
especialistas ouvidos pela Folha. Para eles, caberia ao poder
público (prefeituras, governo
do Estado, Ministério Público)
impedir essa ocupação.
"Todo ano a gente sabe que
essa chuva vem. Um pouco
mais forte num ano, um pouco
mais fraca no outro ano, ou perto das médias. Todo ano vai
morrer gente e nada é feito.
Falta o planejamento físico,
territorial e urbano", afirma o
engenheiro Francisco Vecchia,
professor da Escola de Engenharia da USP de São Carlos.
"Há uma displicência e uma
conivência do poder público
em manter populações nessas
condições de risco."
O engenheiro afirma que as
normas técnicas não são seguidas e que isso causa as tragédias. "Há um descaso com as
normas de engenharia e urbanismo e uma falta de fiscalização do setor público, que permite a ocupação inadequada
das cidades", declara.
Índice pluviométrico
Os especialistas não ignoram
em sua análise que o volume
de chuvas foi muito maior que o
previsto -em único dia, chegou
a chover 399 milímetros, sendo
que o esperado para todo o mês
seria 170 milímetros, de acordo
com a Defesa Civil catarinense.
"O que está acontecendo hoje ocorreria de qualquer forma
em decorrência do grande volume de água que caiu no Estado. O que não seria igual ao
que está ocorrendo hoje é a intensidade desses deslizamentos", afirmou o engenheiro
Adailton Antonio dos Santos,
professor de mecânica dos solos da Unesc (Universidade do
Extremo Sul Catarinense).
"Ele se acentua em áreas de
interferência humana, que são
as áreas de risco. Isso agrava
a situação e aumenta o número
de ocorrências."
Opinião semelhante tem o
geógrafo Mauro Werlang, professor do Departamento de
Geociências da Universidade
Federal de Santa Maria (RS). "A
pressão urbana ocorre nessas
áreas de ocupação, muitas vezes irregular, e passa a oferecer
um maior risco à população.
Uma precipitação [volume de
chuvas] mais concentrada, como foi o caso, vai resultar num
efeito não desejado."
José Alcides Fonseca Ferreira, superintendente regional
do Serviço Geológico do Brasil,
órgão ligado ao Ministério das
Minas e Energia, diz que a ação
humana "é terrível".
"A intervenção humana produz uma série de problemas
que criam as instabilidades. Na
medida em que você vai tirando
a vegetação, vai mudando as
questões de drenagem natural,
nas cabeceiras do [rio] Itajaí,
por exemplo, vai desmatando
as matas ciliares, vai impermeabilizando as cidades, bota
asfalto, bota calçada, casa, diminui a possibilidade de infiltração", diz o geólogo.
O major Márcio Luiz Alves,
coordenador estadual da Defesa Civil de Santa Catarina, concorda que a ocupação irregular
ajuda a potencializar os riscos,
admite que há uma falha de fiscalização do poder público, mas
diz que é um problema social
-"as pessoas precisam morar"- e é duro com os críticos.
"Essa é uma resposta tendenciosa, desonesta. Qualquer
um sabe dizer que não pode
ocupar as áreas, que tem de tirar a população. Quero ver
quem é que vai fazer. Se amanhã acontece uma tragédia no
complexo do Alemão no Rio de
Janeiro, eu posso ir para a televisão dar entrevista e dizer que
aquela população tinha de ser
retirada. Para que isso? Só para
aparecer na televisão."
Texto Anterior: Entrevista: Saques são forma de protesto, diz psicanalista Próximo Texto: Chuvas: 800 pessoas já deixaram casas no espírito santo Índice
|