São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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Chuva não é o problema, afirmam analistas

Ocupações irregulares são a principal causa das mortes, dizem especialistas

Defesa Civil do Estado de Santa Catarina admite que há falha de fiscalização pelo poder público, mas diz que avaliação é "desonesta"

EVANDRO SPINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

As mortes que ocorreram no Estado de Santa Catarina na última semana não foram causadas pelas chuvas intensas, mas pela ocupação irregular de áreas de risco, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha. Para eles, caberia ao poder público (prefeituras, governo do Estado, Ministério Público) impedir essa ocupação.
"Todo ano a gente sabe que essa chuva vem. Um pouco mais forte num ano, um pouco mais fraca no outro ano, ou perto das médias. Todo ano vai morrer gente e nada é feito. Falta o planejamento físico, territorial e urbano", afirma o engenheiro Francisco Vecchia, professor da Escola de Engenharia da USP de São Carlos.
"Há uma displicência e uma conivência do poder público em manter populações nessas condições de risco."
O engenheiro afirma que as normas técnicas não são seguidas e que isso causa as tragédias. "Há um descaso com as normas de engenharia e urbanismo e uma falta de fiscalização do setor público, que permite a ocupação inadequada das cidades", declara.

Índice pluviométrico
Os especialistas não ignoram em sua análise que o volume de chuvas foi muito maior que o previsto -em único dia, chegou a chover 399 milímetros, sendo que o esperado para todo o mês seria 170 milímetros, de acordo com a Defesa Civil catarinense.
"O que está acontecendo hoje ocorreria de qualquer forma em decorrência do grande volume de água que caiu no Estado. O que não seria igual ao que está ocorrendo hoje é a intensidade desses deslizamentos", afirmou o engenheiro Adailton Antonio dos Santos, professor de mecânica dos solos da Unesc (Universidade do Extremo Sul Catarinense).
"Ele se acentua em áreas de interferência humana, que são as áreas de risco. Isso agrava a situação e aumenta o número de ocorrências."
Opinião semelhante tem o geógrafo Mauro Werlang, professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria (RS). "A pressão urbana ocorre nessas áreas de ocupação, muitas vezes irregular, e passa a oferecer um maior risco à população. Uma precipitação [volume de chuvas] mais concentrada, como foi o caso, vai resultar num efeito não desejado."
José Alcides Fonseca Ferreira, superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil, órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia, diz que a ação humana "é terrível".
"A intervenção humana produz uma série de problemas que criam as instabilidades. Na medida em que você vai tirando a vegetação, vai mudando as questões de drenagem natural, nas cabeceiras do [rio] Itajaí, por exemplo, vai desmatando as matas ciliares, vai impermeabilizando as cidades, bota asfalto, bota calçada, casa, diminui a possibilidade de infiltração", diz o geólogo.
O major Márcio Luiz Alves, coordenador estadual da Defesa Civil de Santa Catarina, concorda que a ocupação irregular ajuda a potencializar os riscos, admite que há uma falha de fiscalização do poder público, mas diz que é um problema social -"as pessoas precisam morar"- e é duro com os críticos.
"Essa é uma resposta tendenciosa, desonesta. Qualquer um sabe dizer que não pode ocupar as áreas, que tem de tirar a população. Quero ver quem é que vai fazer. Se amanhã acontece uma tragédia no complexo do Alemão no Rio de Janeiro, eu posso ir para a televisão dar entrevista e dizer que aquela população tinha de ser retirada. Para que isso? Só para aparecer na televisão."


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