São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

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Aos 23 anos, vítima de anorexia admitia o risco de morrer

Beatriz morreu pesando 35 quilos; ela havia reconhecido o perigo ao falar sobre o caso da modelo Ana Carolina Reston

Na adolescência, quando pesava cerca de cem quilos, jovem era ofendida pelos colegas; é a 3ª morte ligada à doença desde novembro

DA AGÊNCIA FOLHA, EM JAÚ DO "AGORA"

Acho que vou morrer em breve, mas não tenho medo. Beatriz Cristina Ferraz Lopes Bastos, 23, que morreu na noite de domingo em Jaú (296 km de SP) por conta de complicações decorrentes da anorexia, havia dito isso a parentes.
Os comentários, segundo a prima Cristiane Regina Ferraz Lopes, 29, surgiram após as mortes, em novembro, da modelo Ana Carolina Reston, 21, e da universitária Carla Sobrado Casalle, 21. Segundo Cristiane, uma outra prima delas, de 24 anos, também sofre com a doença e passa por tratamento.
Bia, como era chamada e que morreu com cerca de 35 quilos para 1,57 m, sofreu, antes de desenvolver a anorexia, com apelidos pejorativos quando era adolescente e pesava cerca de cem quilos. "Ela tinha o apelido de Bia Butijão na sétima série", disse Valdete Sestari, sua professora na adolescência e também na faculdade de letras, onde se formou em 2004.
De acordo com a prima Cristiane, toda a família tinha conhecimento da doença e a monitorava. "Depois das refeições, a gente sempre ficava de olho para ver se ela ia ao banheiro, para evitar que vomitasse. Todos tinham esse cuidado, de nunca deixá-la sozinha."
Parentes contam que Leandro Murgo, 26, que namorou a jovem de 2000 a 2003, chegava a dar voltas com a garota pela cidade, depois de jantarem, para ter certeza de que pelo menos parte da comida seria digerida. Ainda assim, Bia insistia em provocar o vômito depois das refeições, principal traço da bulimia, doença que freqüentemente acompanha a anorexia.
Amigos e professores tentaram ajudar a jovem a se livrar da doença e chegaram a criar uma comunidade no site de relacionamentos Orkut intitulada "Engorda Bia", que ontem estava fora do ar.
Segundo a prima, ela começou a fazer dieta com cerca de 16 anos. O distúrbio, porém, teria se manifestado apenas quando a jovem passou a acessar freqüentemente sites que cultuam a anorexia (chamada de "Ana" pelas doentes) e a participar de comunidades de anoréxicas no Orkut. "Foi depois disso que ela começou a perder muito peso."
Em 2003, Bia ficou internada por duas semanas, em "um dos piores estágios da doença", segundo Cristiane. "Nessa época, ela estava, inclusive, muito mais magra do que ultimamente. A mãe dela até achou que ela já estivesse se recuperando agora." "Às vezes, ela chegava à sala de aula comendo apenas uma pipoca", disse a professora de literatura inglea e norte-americana Jean Sudaia.
Essa não foi a única internação pela qual a jovem passou. Há poucos meses, ela teve uma nova crise e mais uma vez ficou hospitalizada por 15 dias. Por insistência da família, ela passava por tratamento psiquiátrico havia mais de três anos, que não incluía medicamentos, segundo a prima.
Na semana que antecedeu sua morte, Bia vinha se queixando de dores nos rins. A jovem, porém, relutava em aceitar uma nova internação porque viajaria para Porto Seguro, com os pais, depois de amanhã. "Ela tinha medo de não sair do hospital a tempo. Seria sua primeira viagem de avião."
No domingo, Bia morreu depois de diversas paradas cardíacas. A primeira aconteceu no banho, quando ela se preparava para a ceia de Natal. Ela foi socorrida pela mãe, que ouviu o barulho da queda no banheiro. Outra prima, enfermeira, reanimou a jovem. Levada ao hospital, teve outras paradas cardíacas e não resistiu.
Os pais de Beatriz, que era filha única, não quiseram se manifestar ontem. (MAURÍCIO SIMIONATO E CARLA MONIQUE BIGATTO)


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