São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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WALTER CENEVIVA

Pregação religiosa na TV


Em 1988, quando a Constituição foi votada, ainda não dominavam os meios, as técnicas, a trucagem de hoje

O NATAL DÁ UM bom motivo para reexaminar a liberdade constitucional em face de seu relacionamento com as religiões. A regra do inciso VI do artigo 5º da Constituição é clara ao garantir o "livre exercício dos cultos religiosos", bem como, "na forma da lei, a proteção dos seus locais de culto e a suas liturgias".
A norma sugere, depois das novas técnicas dos meios eletrônicos de comunicação, um esforço para os compatibilizar com a Carta Magna, sob a luz dos seus princípios essenciais. O exercício dos cultos inclui as manifestações propriamente religiosas. O adjetivo "religiosos", quando ligado ao substantivo "manifestação", no singular ou no plural, compõe o pensamento exteriorizado, apenas proibido o anonimato do manifestante.
A liberdade de consciência e de crença, no inciso VI, é a do íntimo de cada ser humano, quando psicológica (a faculdade própria da capacidade e da personalidade de conhecer e controlar a expressão de seu eu). Quando social ou moral, regula a prática dos atos em face de todos os terceiros, tomados individual ou coletivamente. A liberdade religiosa compreende limites relativos ao seu enquadramento na comunidade, sob a mesma ordem jurídica.
A televisão, enquanto ferramenta de manifestações religiosas, tem preponderante condicionamento próprio desse meio eletrônico. Mesmo que transmitida para proclamar ensinamentos de um certo culto, continua comunicação social, com pessoal e material que lhe são inerentes (gravações, edições, ensaios, com custos materiais, técnicos, artísticos, na prestação teatral ou musical, com formatos variáveis, impossíveis de resumir aqui). Exemplo: nas recentes eleições americanas foram constantes as referências a grupos ultraconservadores de pregadores religiosos, fazendo proselitismo político, eventualmente discriminatório, sob capa de enunciarem verdades religiosas. Não foi novidade o estímulo ampliado na TV à intolerância religiosa, com as muitas mortes entre católicos e protestantes na Irlanda a ajudarem a compreender a distorção possível.
Vejamos agora a menção a "locais de culto", enquanto áreas destinadas à gravação de programas, seja qual for o segmento religioso de pregadores, participantes e entrevistados. Há duas linhas de argumentação, a favor e contra. Na primeira visão o programa de televisão gravado, quando o "apresentador" seja um religioso e fale de sua religião, é local de culto. Não assim para a segunda linha: o meio eletrônico cria um programa de televisão, com gravações, cortes e regravações, depois de selecionados os fiéis mais "televisivos".
A segunda parece a mais justa. Não pode se comparar com a transmissão ao vivo. No primeiro caso o auditório eventualmente mostrado não é local de culto, mas de gravação para TV, a ser composta em minutos ou segundos, conforme a disponibilidade nos horários comprados nas emissoras. Tendo o pregador, além da qualidade histriônica, a condição de político militante, leva a questão para os limites da lei eleitoral, cujas restrições não ferem a liberdade de culto. Lembremos que em 1988, quando a Constituição foi votada, ainda não dominavam os meios, as técnicas, a trucagem de hoje. Sem prejuízo para a liberdade, o direito pede atualização.


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