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Famílias deixam casas com medo de represas
Elevação do nível de rios devido a chuvas e abertura de comportas ameaça trechos de cidades
Para moradores, Sabesp deveria ter administrado nível da represa; empresa diz que não errou e lembrou que região era afetada pela seca
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ATIBAIA (SP)
LUIZA BANDEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA,
EM BRAGANÇA PAULISTA (SP)
Subiu para 900 o número de
famílias obrigadas a sair de suas
casas em decorrência da cheia
do rio Atibaia, que banha a cidade de mesmo nome (a 67 km
de São Paulo). Ontem, ruas de
bairros de classes média e alta,
como Parque das Nações, eram
percorridas por barcos da Defesa Civil, transformados em caminhões de mudança. Levavam
móveis, geladeiras, fogões e
aparelhos eletrônicos.
Nas áreas secas, carros Mitsubishi Pajero, Ford Ranger,
Toyota e Honda estacionados
sinalizavam que ali estavam desabrigados mais endinheirados. Pessoas saíam chorando
de suas casas, rumo a endereços de parentes. O medo é que o
rio, que já entrou mais de metro nas moradias mais "próximas", suba nos próximos dias
os dois metros a mais que a Defesa Civil diz inevitáveis.
"Próximas" é maneira de dizer. No Parque dos Coqueiros,
também de classe média, o rio
passa normalmente a mais de
300 metros das casas. Ontem,
ele já alcançara as residências
-a ponto de o menino Felipe
Prado, 9, e seu avô, José Prado,
65, pescarem cinco lambaris,
varas em punho, bem na rua.
Atibaia tinha ontem 15 bairros afetados pelas cheias. Em
um dos mais pobres, Caetetuba, José da Silva, 77, vigilante,
usava uma caixa d'água como
bote para retirar a mulher, Maria Aparecida de Souza, 56, das
águas de dois metros de altura
que tomaram a sua casa. Soube-se, assim, que mesmo aquelas pesadonas, de amianto, conseguem boiar. "Aquela casa era
um brinco no meio da favela",
definiu Natália Tainá dos Santos, 14, vizinha - "pintadinha
de azul, cercada por horta e pomar caprichados." Ontem, tudo
estava submerso.
Na confusão do salvamento
de coisas e gente, do transporte
para abrigos e escolas, ouviam-se latidos e miados sofridos dos
animais que ficaram nos barracos inundados. Muitos estão
ilhados sem comer há quatro
ou cinco dias. Como o pele-e-osso Spike, abandonado pelos
donos em um barraco desmoronado. O cão continuava ontem guardando as tábuas que
eram as paredes da casa (ele
acabou o dia adotado pelo carpinteiro Damião Rafael de Lima, 35, casado, dois filhos, que
também perdeu a casa).
Moradores de Atibaia e região culpam a Sabesp, que opera a represa (uma das quatro
que integram o sistema Cantareira de abastecimento). A professora Daniela de Almeida, 33,
diz que a estatal "deveria ter administrado melhor o nível da
represa". Segundo ela, "a Sabesp esperou a represa praticamente encher para resolver
abrir as comportas. E só o fez
quando as chuvas se intensificaram. Resultado: juntou-se a
água da represa com a das chuvas e deu nisso. O rio encheu
como não se via havia 20 anos."
Entre 2004 e 2009, medições
feitas nos dias 1º de janeiro em
Atibainha acusaram 46,12%,
como média de preenchimento
da represa. Nem metade da capacidade total, que é de 100 milhões de metros cúbicos. Neste
ano, no dia 1º, a represa já contava com 92,51% de sua capacidade total tomada pelas águas.
Abertas, as comportas da represa estão despejando nas cidades que ficam rio abaixo (Atibaia, Bom Jesus dos Perdões e
Nazaré Paulista) uma média de
11 metros cúbicos por segundo
(algo como 350 piscinas olímpicas por dia). Some-se a isso o
excesso de chuvas, que, neste
mês, bateram nos 400 mm,
quando a média dos últimos 70
anos é de 200 mm.
Ontem, segundo o engenheiro Carlos Dardis, gerente da divisão de recursos hídricos da
Sabesp, a represa estava a 101%
de sua capacidade. Significa
que ela não consegue mais armazenar nenhuma gota de
água. "O que chover a mais descerá direto para as cidades lá
embaixo." Para ele, "a empresa
administrou da melhor forma
possível as águas na represa".
"Não se pode esquecer que, nos
últimos sete anos, até faltou
água no sistema Cantareira. O
que se está vendo agora é uma
situação atípica", disse.
O vice-prefeito de Atibaia,
Ricardo dos Santos Antonio,
49, do PT, diz que o tema das cidades em torno do sistema
Cantareira, nos últimos anos,
vinha sendo a seca. "A gente reclamava que nossa região estava sendo drenada para abastecer São Paulo de água. Em uma
circunstância como essa é difícil tomar a decisão de jogar
água fora", disse.
Bragança Paulista
A madrugada de ontem foi a
segunda consecutiva em que
Wanderley da Cruz, 40, dormiu
em um forno de olaria, como
forma de fugir da enchente do
rio Jaguari, em Bragança Paulista (83 km de São Paulo), que
subiu 1,5 metro. Cerca de 400
pessoas tiveram de deixar suas
casas, afetadas pelas cheias dos
rios Jacareí e Jaguari, que formam a represa homônima.
De acordo com a Sabesp, a represa já atingiu 99,2% de sua
capacidade. Como em Atibainha, opera no limite.
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