São Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

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Famílias deixam casas com medo de represas

Elevação do nível de rios devido a chuvas e abertura de comportas ameaça trechos de cidades

Para moradores, Sabesp deveria ter administrado nível da represa; empresa diz que não errou e lembrou que região era afetada pela seca

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ATIBAIA (SP)
LUIZA BANDEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRAGANÇA PAULISTA (SP)

Subiu para 900 o número de famílias obrigadas a sair de suas casas em decorrência da cheia do rio Atibaia, que banha a cidade de mesmo nome (a 67 km de São Paulo). Ontem, ruas de bairros de classes média e alta, como Parque das Nações, eram percorridas por barcos da Defesa Civil, transformados em caminhões de mudança. Levavam móveis, geladeiras, fogões e aparelhos eletrônicos.
Nas áreas secas, carros Mitsubishi Pajero, Ford Ranger, Toyota e Honda estacionados sinalizavam que ali estavam desabrigados mais endinheirados. Pessoas saíam chorando de suas casas, rumo a endereços de parentes. O medo é que o rio, que já entrou mais de metro nas moradias mais "próximas", suba nos próximos dias os dois metros a mais que a Defesa Civil diz inevitáveis.
"Próximas" é maneira de dizer. No Parque dos Coqueiros, também de classe média, o rio passa normalmente a mais de 300 metros das casas. Ontem, ele já alcançara as residências -a ponto de o menino Felipe Prado, 9, e seu avô, José Prado, 65, pescarem cinco lambaris, varas em punho, bem na rua.
Atibaia tinha ontem 15 bairros afetados pelas cheias. Em um dos mais pobres, Caetetuba, José da Silva, 77, vigilante, usava uma caixa d'água como bote para retirar a mulher, Maria Aparecida de Souza, 56, das águas de dois metros de altura que tomaram a sua casa. Soube-se, assim, que mesmo aquelas pesadonas, de amianto, conseguem boiar. "Aquela casa era um brinco no meio da favela", definiu Natália Tainá dos Santos, 14, vizinha - "pintadinha de azul, cercada por horta e pomar caprichados." Ontem, tudo estava submerso.
Na confusão do salvamento de coisas e gente, do transporte para abrigos e escolas, ouviam-se latidos e miados sofridos dos animais que ficaram nos barracos inundados. Muitos estão ilhados sem comer há quatro ou cinco dias. Como o pele-e-osso Spike, abandonado pelos donos em um barraco desmoronado. O cão continuava ontem guardando as tábuas que eram as paredes da casa (ele acabou o dia adotado pelo carpinteiro Damião Rafael de Lima, 35, casado, dois filhos, que também perdeu a casa).
Moradores de Atibaia e região culpam a Sabesp, que opera a represa (uma das quatro que integram o sistema Cantareira de abastecimento). A professora Daniela de Almeida, 33, diz que a estatal "deveria ter administrado melhor o nível da represa". Segundo ela, "a Sabesp esperou a represa praticamente encher para resolver abrir as comportas. E só o fez quando as chuvas se intensificaram. Resultado: juntou-se a água da represa com a das chuvas e deu nisso. O rio encheu como não se via havia 20 anos."
Entre 2004 e 2009, medições feitas nos dias 1º de janeiro em Atibainha acusaram 46,12%, como média de preenchimento da represa. Nem metade da capacidade total, que é de 100 milhões de metros cúbicos. Neste ano, no dia 1º, a represa já contava com 92,51% de sua capacidade total tomada pelas águas.
Abertas, as comportas da represa estão despejando nas cidades que ficam rio abaixo (Atibaia, Bom Jesus dos Perdões e Nazaré Paulista) uma média de 11 metros cúbicos por segundo (algo como 350 piscinas olímpicas por dia). Some-se a isso o excesso de chuvas, que, neste mês, bateram nos 400 mm, quando a média dos últimos 70 anos é de 200 mm.
Ontem, segundo o engenheiro Carlos Dardis, gerente da divisão de recursos hídricos da Sabesp, a represa estava a 101% de sua capacidade. Significa que ela não consegue mais armazenar nenhuma gota de água. "O que chover a mais descerá direto para as cidades lá embaixo." Para ele, "a empresa administrou da melhor forma possível as águas na represa". "Não se pode esquecer que, nos últimos sete anos, até faltou água no sistema Cantareira. O que se está vendo agora é uma situação atípica", disse.
O vice-prefeito de Atibaia, Ricardo dos Santos Antonio, 49, do PT, diz que o tema das cidades em torno do sistema Cantareira, nos últimos anos, vinha sendo a seca. "A gente reclamava que nossa região estava sendo drenada para abastecer São Paulo de água. Em uma circunstância como essa é difícil tomar a decisão de jogar água fora", disse.

Bragança Paulista
A madrugada de ontem foi a segunda consecutiva em que Wanderley da Cruz, 40, dormiu em um forno de olaria, como forma de fugir da enchente do rio Jaguari, em Bragança Paulista (83 km de São Paulo), que subiu 1,5 metro. Cerca de 400 pessoas tiveram de deixar suas casas, afetadas pelas cheias dos rios Jacareí e Jaguari, que formam a represa homônima.
De acordo com a Sabesp, a represa já atingiu 99,2% de sua capacidade. Como em Atibainha, opera no limite.


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