São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

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MARIA INÊS DOLCI

Usineiros 10 X 0 Governo

Em tempos de Copa do Mundo de Futebol, vamos entrar no clima: a equipe dos usineiros está dando "um banho de bola" no governo federal e nos consumidores. É um jogo em que o adversário mais fraco -o consumidor- tem sido humilhado, levando olé nas negociações para segurar os preços desse combustível.
Que é fundamental não somente para os proprietários de carros a álcool mas para os donos de veículos movidos a gasolina. Pois a gasolina tem um percentual de álcool anidro, a fim de reduzir a poluição ambiental provocada pela gasolina.
Pode ser que, hoje, enquanto você lê este artigo, tenham surtido algum efeito as ameaças do governo federal para forçar os usineiros a segurar os preços do álcool. Os danos, contudo, já ocorreram -em janeiro, por exemplo, o álcool subiu 9,87%, e foi a principal fonte de pressão no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Além disso, depois do vexame que foi o abandono dos proprietários dos carros a álcool nos anos 80, novamente esses consumidores pagam caro por acreditar em um combustível alternativo.
Na verdade, essa história tem muito mais "pernas-de-pau" do que craques. Em primeiro lugar, o governo assistiu, sem qualquer iniciativa, ao espantoso sucesso dos carros com motores flex (ou seja, flexíveis, por alternar gasolina e álcool). Além disso, regozijou-se com os elogios dos principais jornais dos Estados Unidos ao sucesso do uso do álcool como combustível automotivo.
É óbvio que os motores flex são um grande avanço tecnológico e que beneficiam o consumidor. É natural que o sucesso mundial do álcool projete bons negócios para o Brasil e melhore a auto-estima dos governantes.
O que chama a atenção é que se percebeu o aumento da demanda interna e do interesse dos mercados externos, sem qualquer política pública relevante para evitar o desabastecimento. Esqueceram-se, também, que o álcool combustível é extraído da cana-de-açúcar, um produto agrícola. Ou seja, que tem safra e entressafra, além de estar sujeito a quebras, provocadas, por exemplo, pelo regime irregular de chuvas que assombra a agricultura brasileira nos últimos anos.
A cana-de-açúcar, além do álcool, produz, originalmente, açúcar, consumido em ampla escala. E que, ao sabor do mercado, às vezes conta com preços internacionais e nacionais por extensão, muito mais atraentes do que os do álcool.
É por isso que não se pode tratar de um combustível em ascensão, com a mesma presteza com que se cuidou das estradas brasileiras. Não há tapa-buracos possível em um caso desses.
Se não havia a garantia de fornecimento de álcool combustível ou da manutenção dos seus preços, o governo poderia, por exemplo, ter negociado um ritmo menos acelerado de oferta de carros flex. Reduzido o percentual de adição de álcool à gasolina, antes do estouro dos preços do álcool. Avaliado a possibilidade de importação ou da imposição de sobretaxas à exportação de álcool e de açúcar, quando o outro time ainda não estava vencendo o jogo com tamanha facilidade.
O mais triste é que o governo nessa história representa o consumidor, que perdeu junto, enquanto os usineiros levavam a taça para casa.


E-mail - midolci@yahoo.com.br


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