São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2009

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WALTER CENEVIVA

Mais crime na crise


É inevitável a impressão de que vivemos um círculo vicioso: o aumento das ações e das penas não reduziu a criminalidade


A POSSIBILIDADE DE que a crise econômica estimule o crescimento da criminalidade tem inserido questões de direito penal e processual penal na reavaliação de juristas e de não-juristas. Apimentam essa reavaliação os contextos jurídicos e sociais, ante o conflito das opiniões entre criminalistas -e destes com a comunidade- sobre o que convém fazer para enfrentar a tendência criminal acrescida.
Mais severidade, mais prisões, até a pena de morte querem muitos da comunidade. Penas de prisão, só excepcionalmente, penas alternativas e a insistência na educação do delinquente compõem outra parte do prato dessa balança inconciliável. Na conversa de surdos assim estabelecida, há as dúvidas eternas sobre a punição dos mais ricos, dos protegidos da autoridade e da mídia, na diversidade de critérios do modo de apuração até o de cumprir a pena.
O fenômeno não é só brasileiro. Entre nós, a perplexidade cresce ante o agravamento das ações criminosas inovadas e transformadas. Tem generalizado a preocupação de grupos sociais, que se organizam em camadas diversas da sociedade, em processo de autodefesa, ante falhas reiteradas do equipamento público.
O argumento de que a situação encontrada é, em parte, produto das transformações sociais e econômicas é verdadeiro. Em particular na vida urbana, com altas taxas de violência. É inevitável a impressão de que vivemos um círculo vicioso: o aumento das ações e das penas não reduziu a criminalidade. Mantém o risco sobre a vida dos que morrem até por se assustarem com a arma apontada abruptamente para suas cabeças.
Esses pensamentos me levaram a reler "Instituições de Direito Penal", de Basileu Garcia -que foi catedrático de direito penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo-, cuja primeira edição saiu em 1951. São 1.148 páginas, em dois volumes, em reedição pela Saraiva, preparada por equipe coordenada por Denise Nunes Garcia, neta de Basileu e Maíra Rocha Machado. A pluralidade de enfoque facilita a compreensão da crise do direito atual, tão grave quanto a crise econômica. Compreensão que enfrenta necessariamente o repasse dos delitos e das penas, na visão atual dos estudiosos que buscam uma saída para a insuficiência de cadeias, que terminam estimulando o aumento do número dos delinquentes, embora verdadeiro que os afastam do convívio da cidadania.
As mudanças sociais nas áreas da economia, da indústria, da favelização e a comunicação instantânea nos meios eletrônicos contribuíram para a definição de novas condutas criminosas. Afinal, crime é crime. Não basta ao jurista limitar-se a dizer que prisão não educa.
As concepções da criminologia devem passar por necessária revisão científica, completada pelo reexame de alternativas para sua adequação aos tempos modernos, em particular pelo uso da eletrônica, sem afrontar os direitos constitucionais dos atingidos. A comunidade se mostra cada vez mais preocupada com a sequência de vítimas inocentes. No curto prazo, será difícil resistir às pressões por sistemas inovadores de apenamento, que, sem levarem o delinquente a novas modalidades do crime nas prisões, ao mesmo tempo protejam aqueles que, por sua própria natureza, observam as regras do direito.


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