São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

Para secretários municipais, "jovem e grande" SUS necessita de avanços

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Sistema Único de Saúde é inédito no mundo pelas suas proporções e sua universalidade. Só no ano passado, fez quase 8 milhões de hemodiálises e 8.373 transplantes. E só tem 15 anos, comemorados em outubro último. "É jovem, mas já chegamos ao teto. O SUS precisa avançar", diz Luiz Odorico Monteiro de Andrade, 42, secretário municipal da Saúde de Sobral (CE) e presidente do Conasems, o conselho que reúne os secretários municipais do país.
No rol de mudanças, três são as mais defendidas pelos secretários: a qualificação do município pelo seu porte (pelo nível de complexidade que agrega), o fim das verbas "carimbadas" -aquelas que já chegam ao município com destino obrigatório, como mortalidade infantil, por exemplo- e o fim do pagamento por AIH (autorização de internação hospitalar).
As reivindicações constam da Carta de Natal, documento de duas páginas divulgado no final do 20º Congresso Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, realizado na semana passada no Rio Grande do Norte.
Paralelamente ao encontro, aconteceu o 1º Congresso Brasileiro de Saúde, Cultura de Paz e Não-Violência, um novo olhar sobre a violência que desestrutura os serviços, rouba as verbas, os profissionais e desorganiza as famílias e a sociedade, como diz Eduardo Jorge, ex-secretário da Saúde da cidade de São Paulo e um dos criadores do SUS.
"Quase todos os 5.560 municípios estão em regime de gestão, seja de atenção básica, seja plena", diz Odorico Andrade. "Já sabem o melhor destino a dar ao dinheiro que recebem." Abaixo, a entrevista que concedeu à Folha:

 

Folha - O senhor diz que o conceito de habilitação precisa ser reavaliado em razão do porte dos municípios. Eles saberiam lidar com essa autonomia, mesmo os menores?
Luiz Odorico Monteiro de Andrade -
Sabem. Primeiro, não dá para ignorar a diferença de porte. Cerca de 4.000 municípios têm menos de 20 mil habitantes, um terço deles, entre 800 e 5.000; outro terço, entre 5.000 e 10 mil; e o terceiro restante entre 10 mil e 20 mil. Outros 1.329 municípios têm entre 20 mil e 100 mil habitantes, 200 entre 100 mil e 500 mil e, finalmente, 31 com mais de 500 mil.
Veja que a diversidade é enorme, as necessidades, diferentes, em uns a mortalidade infantil é prioridade, em outros, os procedimentos de médio porte. Todos os menores, com exceção de uns 50, estão em gestão básica plena, sabem fazer parto natural, tratar tuberculose, hipertensão.

Folha - A prática da verba "carimbada" ainda existe?
Andrade -
É um resquício que está acabando. O dinheiro saía de Brasília para tratar da dengue em lugar onde não havia mais mosquito e a mortalidade materna era prioritária. Há muita diferença entre o que precisa Barcelos, no Amazonas, e São Paulo, que tem gestão plena e padece com mortes externas e faz transplantes.
Folha - E a questão das AIHs?
Andrade - É o pagamento feito por internação hospitalar. A grande maioria dos pequenos municípios interna para sobreviver, não porque o paciente precisa. A AIH foi criada ainda em 68 e foi herdada pelo INSS. Precisa ser substituída por um sistema de metas e necessidades. Nós temos hoje ferramentas para saber quantos partos uma cidade vai fazer, quantas cirurgias de vesícula, quantos acidentes. Então basta calcular e adiantar esse dinheiro. A lógica da produção é prejudicial ao sistema, não contribui para a prevenção.
Folha - Em São Paulo, há quem defenda que hospitais terciários (de maior complexidade) sejam parceiros dos hospitais secundários, que, por sua vez, se responsabilizariam pelas unidades básicas, como um guarda-chuva.
Andrade - É o que estamos implantando em todo o país. A minha região de Sobral, por exemplo, tem 50 municípios em três microrregiões, de Camusin, Acaraú e Ipu. Todos os 50 municípios dão atenção básica, fazem parto, acompanham diabetes, hipertensão. Partos e procedimentos de média complexidade são encaminhados para as microrregiões. Se o procedimento for complexo, como cirurgia cardíaca ou um transplante renal, o paciente é encaminhado para Sobral.


Texto Anterior: Exposição: USP terá mostra sobre corpo humano
Próximo Texto: Poluição visual: Só 4% das multas do Tigrão foram pagas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.