São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2005

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"Não queria voltar para o Brasil", diz professora

DA REDAÇÃO

Os 47 professores da missão oficial brasileira se encontraram pela primeira vez em fevereiro, quando foram levados a Brasília para assistir a uma palestra da professora de antropologia Kelly Cristiane da Silva, 29, da UnB (Universidade de Brasília).
Ela falou sobre a experiência de um ano no Timor Leste, em 2002 e 2003, recolhendo dados para sua tese de doutorado, a respeito do papel das Nações Unidas na construção de Estados.
"Criei um afeto tão grande que não queria mais voltar para o Brasil", conta a professora. (RW)
 

Folha - Qual foi sua principal recomendação a esses professores que vão para o Timor Leste?
Kelly Cristiane da Silva -
Sublinhei que eles não devem ter a posição arrogante que normalmente marca os estrangeiros que chegam ao Timor Leste, achando que vão encontrar um terra de coitadinhos que precisam de esmola. Essas pessoas só destacam os problemas: falta de saneamento, dificuldades de comunicação e coisas desse tipo. Omite-se toda uma história de resistência e de coragem da população. O Timor é muito mais que seus problemas.

Folha - Os professores estão preocupados com os gastos. São suficientes US$ 1.100 por mês?
Silva -
Eu e meu marido, que também é pesquisador, alugamos uma casa e vivemos muito bem com o mesmo valor. Mas é claro que tudo depende do padrão de vida que se quer. Não se pode querer viver no mesmo padrão dos funcionários de alto escalão da ONU. Um pé de alface custa US$ 2 no mercado voltado para a comunidade internacional, mas se compra a mesma alface por US$ 0,50 no mercado dos timorenses. É questão de bom senso.

Folha - Como os brasileiros são recebidos lá?
Silva -
Muito bem. Os timorenses tomam o Brasil como o irmão mais velho das ex-colônias de Portugal. Eles sempre nos comparam com os portugueses. E levamos vantagem, pois somos vistos como um povo mais aberto e que não tem aquela atitude colonial que muitos portugueses ainda têm. Eu tive acesso a lugares estratégicos para fazer minha pesquisa só pelo fato de ser brasileira.

Folha - A cultura brasileira é bastante conhecida?
Silva -
Os timorenses ouvem muita música nossa. Fazem bastante sucesso o grupo de forró Falamansa e o cantor sertanejo Leonardo. Ouve-se isso o dia todo.

Folha - Por que recuperar o português é tão importante para eles?
Silva -
É uma estratégia de construção da própria identidade nacional. Durante a invasão indonésia, os movimentos timorenses de resistência politizaram a língua e usaram a cultura portuguesa como sinal de diferença do Timor em relação à Indonésia. Assim como temos o mito das raças [branco, negro e índio] na formação da nossa identidade, os timorenses têm o mito da língua portuguesa.


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