São Paulo, sábado, 28 de março de 2009

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WALTER CENEVIVA

O líder da oposição


Hoje não há o Judiciário mudo. Está longe o tempo em que o magistrado, distante do povo, era inatingível pela crítica


"NÃO SOU O líder da oposição", fez questão de dizer o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, ao ser sabatinado no Teatro Folha, nesta semana. É tendência dos governantes considerar oposicionista todos que, mesmo indiretamente, façam restrição à sua política. Sob essa ótica distorcida foi visto o presidente do STF ao dar curso a posições da Corte Suprema, retardando ou impedindo providências desejadas pelo Executivo.
Quando surgem tais situações, voltam críticas espalhadas pelos meios de comunicação, insistindo em velhos refrões. Exemplos: o juiz não fala fora dos autos; fora do tribunal, é mudo; não se pronuncia sobre temas estranhos à aplicação da lei e não se manifesta sobre fato a ser submetido a seu julgamento. Excluído o último enunciado, os outros estão superados por nova realidade da vida pós-rádio, pós-televisão, pós-internet, enfim, pós-comunicação geral e instantânea.
Também houve quem não gostasse de ver o presidente do STF sabatinado por pessoas estranhas à área jurídica, considerada forma populista, contrária aos preceitos maiores da aplicação da lei. A crítica é improcedente. Está fora de seu tempo. Quando, há 60 anos, as informações chegavam a camadas do povo muito depois dos fatos, ainda se compreendia a restrição imposta aos juízes. Ia a ponto de recusar liberdade de manifestação até para entidades associativas dos vários segmentos profissionais em que se reúnem magistrados, para defesa de interesses comuns. Hoje é encarada com naturalidade, caso da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), na crítica pública à declaração de Gilmar Mendes a respeito da segunda prisão de Daniel Dantas.
Hoje, os presidentes de tribunais passaram a ter outro relacionamento com a sociedade. Eles, ao menos, têm o dever de se pronunciar sobre temas do interesse geral, submetidos ou não a suas cortes, desde que não antecipem julgamentos. Devem expor problemas econômicos ou administrativos da Justiça, satisfazendo o dever de seu esclarecimento cabal, compreensível pela comunidade, sem ocultação de vantagens eventualmente atribuídas a seus juízes. Nesses pronunciamentos, o cuidado com indicações estatísticas será fundamental. Erros ou distorções serão criticados nos meios de comunicação social.
Trata-se de boa abertura, com duas faces. Em uma delas, expande-se o dever constitucional de informar. Na outra, tem vida o acolhimento da crítica, dando-lhe resposta leal. Hoje, não há o Judiciário mudo, ao menos para os chefes de seus tribunais. Está longe o tempo em que o magistrado, distante do povo, era inatingível pela crítica, quando pronunciada por quem não tinha conhecimento dos meandros da Justiça.
Gilmar Mendes deu bom exemplo. Ouviu gritos de piquetes. Ouviu perguntas e críticas. Procurou superar a dificuldade do diálogo, entre o idioma complexo do jurista e a simplicidade dos não-trabalhadores do direito. O resultado final, noticiado na quarta-feira, considerados os percalços da experiência inusitada, foi o melhor possível, na sabatina do presidente do tribunal ao qual cabe a guarda da Constituição -ou seja, de quem, até pela natureza de suas funções, não é, nem pode ser, o líder da oposição.


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