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ANÁLISE
A sala secreta é, ao mesmo tempo, satânica e angelical
PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Tribunal do Júri já teve
grandes momentos. Dizia-se, há
51 anos, que seu berço era no
Rio, talvez porque o carioca se
emocionava com o resultado
das paixões. Não se diga que São
Paulo não teve casos célebres.
Os grandes crimes (há grandes
crimes?) andavam por lá e aqui
(Aida Cury, Leopoldo Heitor, O
crime do Restaurante Chinês)...
De certo tempo para cá houve
resistência ao Tribunal do Júri.
Começou na ditadura de 1964.
Aqui em São Paulo pontificava o
1º Tribunal do Júri, agora desativado. Aquilo ainda parece uma
igreja, mobiliada em madeira
nobre e escura. Tiraram os julgamentos de lá. Agora existem
os "juródromos", salas desconfortáveis postas lado a lado. Ouvem-se numa os gritos postos
na outra. Parece brinquedo,
mas não é. Lida-se com a liberdade, ali, com uma sorte qualquer de desatenção.
Parece que não estou a falar
do julgamento que está em toda
a mídia. Estou sim. Passei por
lá. O povão estava nas cercanias,
uns por não terem o que fazer,
outros porque apaixonados pelo castigo a ser imposto, mas todos com uma curiosidade assemelhada àquela do populacho
de Paris, quando se juntava ao
redor de Madame Guilhotina.
Guardadas as óbvias proporções, ainda é assim. Não se pode
emitir opinião sobre o mérito
do julgamento, mas a redação
da legislação atinente ao assunto, principalmente aos quesitos,
angustia o velho criminalista.
Os jurados têm duas cédulas
na mão: uma é o Sim, outra é o
Não. Há concurso de agentes.
Os quesitos precisam ser desdobrados segundo a imputação a
cada um dos acusados. Pretendeu-se, na alteração da Lei do
Júri, simplificar as coisas, mas,
decididamente, os autores do
projeto e parlamentares não
eram muito do ramo.
Após o fato principal, indaga-se se o réu deve ser absolvido.
Evidentemente, na hipótese
vertente, indagar, após reconhecimento da materialidade
da autoria, se o réu merece ser
absolvido, é indagação teratológica, embora factível em alternativas diferentes das postas no
júri em questão.
Não se diga mais. O destino
dos réus já foi lançado. Vale destacar que a sala secreta é, ao
mesmo tempo, satânica e angelical. Os jurados ficam dias encarcerados dias, comendo e
dormindo mal, sob pressões indizíveis. Tudo funciona de forma extravagante, pois se distancia do hábito de cada qual. Os
quesitos precisam ser simples,
mas é difícil obtê-los assim. Um
escorregão técnico ou uma contradição na resposta anula o julgamento depois, ou no Tribunal
de Justiça ou na Suprema Corte. Assim, a decisão é sempre
provisória, sendo necessário
ressaltar que a exculpação resulta em imediata liberdade.
PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES
é advogado criminalista.
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