São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

A sala secreta é, ao mesmo tempo, satânica e angelical

PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Tribunal do Júri já teve grandes momentos. Dizia-se, há 51 anos, que seu berço era no Rio, talvez porque o carioca se emocionava com o resultado das paixões. Não se diga que São Paulo não teve casos célebres.
Os grandes crimes (há grandes crimes?) andavam por lá e aqui (Aida Cury, Leopoldo Heitor, O crime do Restaurante Chinês)...
De certo tempo para cá houve resistência ao Tribunal do Júri.
Começou na ditadura de 1964. Aqui em São Paulo pontificava o 1º Tribunal do Júri, agora desativado. Aquilo ainda parece uma igreja, mobiliada em madeira nobre e escura. Tiraram os julgamentos de lá. Agora existem os "juródromos", salas desconfortáveis postas lado a lado. Ouvem-se numa os gritos postos na outra. Parece brinquedo, mas não é. Lida-se com a liberdade, ali, com uma sorte qualquer de desatenção.
Parece que não estou a falar do julgamento que está em toda a mídia. Estou sim. Passei por lá. O povão estava nas cercanias, uns por não terem o que fazer, outros porque apaixonados pelo castigo a ser imposto, mas todos com uma curiosidade assemelhada àquela do populacho de Paris, quando se juntava ao redor de Madame Guilhotina.
Guardadas as óbvias proporções, ainda é assim. Não se pode emitir opinião sobre o mérito do julgamento, mas a redação da legislação atinente ao assunto, principalmente aos quesitos, angustia o velho criminalista.
Os jurados têm duas cédulas na mão: uma é o Sim, outra é o Não. Há concurso de agentes.
Os quesitos precisam ser desdobrados segundo a imputação a cada um dos acusados. Pretendeu-se, na alteração da Lei do Júri, simplificar as coisas, mas, decididamente, os autores do projeto e parlamentares não eram muito do ramo.
Após o fato principal, indaga-se se o réu deve ser absolvido. Evidentemente, na hipótese vertente, indagar, após reconhecimento da materialidade da autoria, se o réu merece ser absolvido, é indagação teratológica, embora factível em alternativas diferentes das postas no júri em questão.
Não se diga mais. O destino dos réus já foi lançado. Vale destacar que a sala secreta é, ao mesmo tempo, satânica e angelical. Os jurados ficam dias encarcerados dias, comendo e dormindo mal, sob pressões indizíveis. Tudo funciona de forma extravagante, pois se distancia do hábito de cada qual. Os quesitos precisam ser simples, mas é difícil obtê-los assim. Um escorregão técnico ou uma contradição na resposta anula o julgamento depois, ou no Tribunal de Justiça ou na Suprema Corte. Assim, a decisão é sempre provisória, sendo necessário ressaltar que a exculpação resulta em imediata liberdade.


PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES é advogado criminalista.


Texto Anterior: Casa dos pais de Nardoni é pichada
Próximo Texto: Análise: Na cobertura, até Xuxa falou sobre Isabella
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.