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VIOLÊNCIA
Levantamento em 87 cidades de São Paulo revela existência de 37 assassinatos que não aparecem nos relatórios do governo
Homicídios "somem" de estatística oficial
ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO
Os números de homicídios dolosos de pelo menos 11 cidades do
interior de São Paulo -base para
a produção das estatísticas sobre
violência- estão errados. Levantamento da Folha encontrou 37
ocorrências de assassinatos de
1999 e 2000 que não existem nas
contas do governo do Estado.
Desses crimes, pelo menos 30
foram omitidos pela Secretaria de
Estado da Segurança Pública, segundo delegados do interior. Registrados desde a origem como
homicídios dolosos, foram enviados pela Polícia Civil do interior
para São Paulo, onde os dados são
totalizados.
Outras cinco ocorrências não
foram registradas nos respectivos
municípios como homicídios dolosos por falha das polícias locais.
Os dois casos restantes constam
apenas das estatísticas das delegacias do interior, mas nem polícia
nem Estado sabem explicar onde
ocorreu o erro.
Em resumo, os registros dos 37
assassinatos não foram publicados no "Diário Oficial" do Estado
nem estão computados no site da
Segurança Pública -fonte oficial
sobre os índices de violência.
Responsabilidade
O Estado culpa os delegados do
interior, que não teriam enviado
os dados para São Paulo, e as polícias locais responsabilizam o governo. "Não sei o que ocorreu lá
(em São Paulo)" para ter essa discrepância. Nós mandamos o número correto", afirmou o diretor
do Deinter 3 (Departamento de
Polícia Judiciária do Interior),
Luiz Roberto Ramada Spadafora.
Ele responde pelos dados de
quatro cidades, incluindo Ribeirão Preto, local onde ocorreram
24 mortes não contabilizadas no
balanço final do Estado.
O levantamento da Folha foi feito em 87 cidades do interior, de
quatro diferentes regiões. Em 11
delas (12,6% dos municípios da
amostra), na maioria com populações oscilando entre 2.000 e 100
mil habitantes, houve diferença
-sempre para menos- entre os
dados divulgados pelo Estado e os
registrados na origem.
Para o governo, foram 923 homicídios dolosos nessas cidades,
mas a Polícia Civil do interior
confirma a existência de 960
-uma diferença de 4%. Se há erro em 11 cidades, pode haver mais
em outras, segundo especialistas.
Transparência
A divulgação de dados de violência é uma obrigação do Estado,
segundo a lei 9.155, de 15 de maio
de 1995. As estatísticas servem
também para definir verbas e estratégias para o policiamento.
"O (Marco Vinicio) Petrelluzzi
não conseguia conter a criminalidade e, por isso, segurava os números. O Saulo [de Castro Abreu
Filho, atual secretário da Segurança Pública" está no mesmo caminho", afirmou José Peres Netto,
pesquisador do Instituto Fernand
Braudel, referindo-se ao antecessor de Abreu Filho no cargo.
Peres Netto trabalhou na Segurança Pública como responsável
pelas estatísticas entre 1983 e 99.
Saiu justamente quando Petrelluzzi assumiu a pasta.
No ano passado, a Associação
dos Delegados do Estado de São
Paulo denunciou uma suposta
"maquiagem" nas estatísticas oficiais sobre violência. A entidade
acusou o Estado de orientar delegados a registrar homicídios dolosos com outras denominações
(como "encontro de cadáver" e
"morte a esclarecer"). Na época, o
governo garantiu que seus dados
eram corretos e que não existia a
suposta manobra.
O levantamento da Folha indica
que talvez a queda da criminalidade anunciada pelo governador
Geraldo Alckmin (PSDB) -que
deve concorrer à reeleição neste
ano- não seja tão acentuada.
Procurada pela reportagem, a
assessoria da Segurança Pública
negou que haja maquiagem. O
Palácio dos Bandeirantes foi procurado na última semana, mas
pediu para a reportagem falar
com a secretaria.
Sobre as declarações dos delegados, a assessoria afirmou que nada iria comentar. Mônica Espósito de Moares Almeida Ribeiro, titular da Coordenadoria de Análise de Planejamento (CAP), setor
responsável pelas estatísticas de
violência no Estado, disse que não
estava autorizada a dar entrevista.
Maquiagem
Todos os delegados ouvidos pela Folha negaram ter recebido
instruções para maquiar estatísticas. "Naquela época (1999), não
tinha motivos para esconder",
disse Luiz Carlos da Silva, delegado da Seccional de Franca. Ele respondeu à pergunta da reportagem sobre a ausência de um crime
ocorrido em Aramina, em 99, nas
estatísticas do Estado. Depois,
questionado se hoje há motivo
para maquiagem, ele desconversou. "Se existe essa determinação
[para esconder homicídios], ela
não chegou a Franca."
Em Ribeirão Preto ocorre a
maior diferença entre os dados. A
delegacia local diz ter enviado à
Secretaria da Segurança Pública,
em 99, 214 ocorrências de homicídios dolosos. Segundo o governo,
no entanto, foram 198. No ano seguinte, foram registrados 226 casos, mas o governo fala em 218.
Nos dois anos, a polícia local
conta 440 ocorrências de homicídios dolosos, mas o Estado considera apenas 416 -24 a menos
(uma diferença de 5,45%).
Sobre os dados de 2000, a Delegacia Seccional mandou primeiramente 223 ocorrências. Dias depois, confirmou outros três casos
e enviou um adendo que jamais
foi aceito pelo Estado.
Silêncio
Só na semana passada, segundo
a Folha apurou, a Segurança Pública informou ao delegado-seccional José Manoel de Oliveira
que não aceitaria mais adendos
aos dados enviados, como se os
três assassinatos daquele ano
nunca tivessem existido. A secretaria procurou o delegado após
ser questionada pela reportagem.
A Folha apurou também que,
após confirmar na Seccional que
seus dados sobre Ribeirão estavam errados, a Segurança Pública
proibiu que funcionários da delegacia divulgassem números de
criminalidade à imprensa. Oliveira não quis falar sobre o assunto
com a reportagem.
Em Campinas, a Delegacia Seccional informou que o total de homicídios dolosos em 2000 foi 488,
três a mais do que o registrado pelo Estado. "Quem tem de responder pela diferença é a Segurança
Pública", afirmou o delegado-seccional da cidade, Miguel Voigt Júnior, que disse ter confirmado,
com seus funcionários, que foi enviado para São Paulo o dado de
488 ocorrências.
Erro confirmado
Na região sudoeste de São Paulo, fronteira com o Paraná, o Estado também ignorou o único homicídio de 2000 ocorrido em Barão de Antonina. Conforme a polícia, a dona-de-casa Eliane Victor, 17, grávida de nove meses, foi
morta com um tiro na nuca pelo
marido, Nedimárcio Silva Antônio Fernando.
A polícia local registrou o caso
desde o início como homicídio
doloso, e assim o dado foi enviado
para a CAP, afirmou o delegado
Jorge Cardoso de Oliveira, de
Avaré, responsável por Barão de
Antonina. A assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança
Pública confirmou o erro.
O "esquecimento" chocou a família de Eliane. "O governo só
lembra do pobre nas eleições.
Passou a hora do voto, esquece da
gente", lamentou Aparecido Victor, 50, pai da vítima.
Colaboraram Joel Silva, free-lance para
a Folha Ribeirão e a Redação, em Ribeirão
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