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VIOLÊNCIA
Mortes provocadas por motivos passionais e por intolerância fazem parte das histórias "esquecidas" pelos registros oficiais
Estado ignora tiros, facadas e pauladas
DA FOLHA RIBEIRÃO
As histórias das vítimas da violência "esquecidas" pelas estatísticas oficiais não diferem em nada
dos "incluídos" na contagem do
Estado. Os motivos torpes também estão entre as causas desses
homicídios e provocam inconformismo nos familiares dos mortos.
Esse é o caso, por exemplo, da
família de Eliane Victor, de Barão
de Antonina (364 km de São Paulo), região de Sorocaba. Morta aos
17 anos em 8 de março de 2000,
Eliane estava grávida de nove meses. Levou um tiro na nuca disparado, conforme a polícia, pelo
próprio marido, Nedimárcio Silva
Antônio Fernando, 21.
O crime ainda causa traumas à
família. "Ainda escuto a Eliane
chegar em casa e me chamar: "Cadê a minha mãe?'", conta Ana Isabel Euzébio Victor, 45, mãe da vítima. Para ela, o motivo do crime
foi o ciúme sentido por Fernando.
"Ele era muito ciumento. Dizia
que o filho [que a Eliane esperava"
não era dele, batia na minha filha
e falava que iria matá-la. Nunca
pensei que tivesse coragem."
Ainda segundo ela, o acusado
tentou se esconder quando a polícia chegou ao local do crime, mas
foi encontrado e preso em flagrante. Desde o primeiro instante,
o crime foi registrado como homicídio doloso na delegacia.
Em seus depoimentos à polícia,
Fernando afirmou que o tiro foi
acidental. "Eu não acredito nisso.
Ela estava deitada na cama quando a encontraram", diz a mãe.
"Ele chegou do Carnaval às
3h30 e os dois discutiram. Depois,
ouvi o disparo. À polícia, ele disse
que mexia no tambor do revólver.
Mas a arma não dispara com o
tambor aberto", diz Maria Antônia Barreto de Souza, vizinha da
família. Fernando aguarda o julgamento em liberdade.
Caso semelhante ocorreu no dia
28 de junho de 1999, em Aramina
(439 km de São Paulo), região de
Franca, onde a também dona-de-casa Aparecida Reis dos Santos,
43, foi morta a pauladas pelo marido, Aparecido Norberto dos
Santos, 42, segundo a polícia, que
o prendeu no mesmo dia.
Duas filhas do casal, uma de seis
e outra de oito anos, presenciaram o crime e ainda foram obrigadas pelo pai a lavar o sangue
que escorria do corpo da mãe.
"Elas ficaram traumatizadas e foram submetidas a tratamento psicológico", declara Marília Estela
Norberto, 21, uma das filhas mais
velhas da vítima.
Após o crime, Santos levou o
corpo de Aparecida para um hospital de Igarapava, segundo a polícia e a família. Lá, tentou explicar
que sua mulher havia caído no
chão da cozinha. Os médicos desconfiaram e chamaram a polícia.
Ele acabou preso no local sob acusação de homicídio doloso.
Apesar de o crime ter ocorrido
em Aramina, ele não existe para
as estatísticas do Estado. A polícia
da região de Franca reconhece o
erro e diz que o assassinato foi
computado em Igarapava.
Essa versão, entretanto, é estranha até para outros delegados ouvidos pela Folha. No próprio boletim de ocorrência ao qual a reportagem teve acesso, consta que
o local do crime foi em Aramina.
Em Cordeirópolis (162 km de
São Paulo), região de Araras, houve dois homicídios dolosos em
2000, segundo a Polícia Civil local.
Só que a Secretaria da Segurança
Pública registra apenas um.
No dia 9 de dezembro, o auxiliar
de tacografia Pedro Machado Lira, 23, foi morto com 17 facadas.
Natural de Chapadinha (MA), naquele dia Pedro, diz sua família,
comemorava seu primeiro salário
(R$ 400) na cidade, onde chegara
havia seis meses, e tinha saído para tomar uma cerveja.
"Posso viver mais 200 anos,
aconteça o que acontecer, mas eu
nunca vou me esquecer daquele
dia, o mais triste de toda a minha
vida", diz o ceramista Raimundo
Nonato Machado Lira, 26, um dos
15 irmãos de Pedro.
Raimundo afirma que o crime
traumatizou a família. "Minha
mãe não consegue mais dormir.
Diz que todos os dias lembra do
filho e que a vida dela não vale nada. É triste você ouvir isso de uma
mãe", afirma ele, em pranto.
Horas depois do crime, a polícia
prendeu o auxiliar de serviços gerais Juarez Lopes Maurício, que
confessou a autoria do crime. "Os
policiais disseram que ele confessou o crime rindo. Disse que não
gostava de maranhense e mataria
à moda mineira, cortando o pescoço. E cortou", diz o irmão.
Maurício já havia sido condenado
pelo mesmo tipo de crime.
Mesmo com a elaboração do
boletim de ocorrência registrado
como homicídio doloso desde o
início, esse crime pode não ter
ocorrido para o Estado.
"Acho isso uma falta de respeito
muito grande, com o ser humano
e com uma comunidade", afirma
o irmão da vítima.
O outro homicídio ocorrido naquele ano em Cordeirópolis teve
como vítima o andarilho Faustino
Pereira Godinho, 48, morto com
pancadas na cabeça no dia 21 de
julho. A Folha esteve na cidade no
último dia 16 e tirou cópia do boletim de ocorrência registrado como homicídio doloso.
O corpo de Godinho foi enterrado no dia 29 de setembro do mesmo ano como indigente, já que
não apareceu nenhum familiar
seu na cidade.
(ROGÉRIO PAGNAN)
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