São Paulo, domingo, 28 de abril de 2002

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DANUZA LEÃO

Dias melhores virão

Já te aconteceu de acordar um dia péssima, com a cabeça péssima, se sentindo só, só, e achando que vai ser assim para o resto da vida?
Você abre o jornal e não se interessa por rigorosamente nada; liga a televisão e seja qual for o filme que estiver passando você está fora. Abre a agenda, vai do A ao Z e todos os nomes parecem de pessoas estranhas. Nem os daqueles dois ou três amigos com quem fala todos os dias você reconhece. Não sabe se está chovendo ou fazendo sol, tal a falta de interesse pelo mundo. Mas como acha que é uma pessoa positiva, resolve fazer alguma coisa para mudar o astral do dia.
Ouviu falar que ginástica ajuda a resolver qualquer problema; mas botar uma malha e ir para a academia, nem pensar. Mal teve forças para se levantar e escovar os dentes, imagine para enfrentar uma esteira. Que tal ouvir uma música? Prefere a morte.
Tomar um banho pode ser que melhore as coisas; uma boa chuveirada, com direito a lavar a cabeça -e quem sabe esfriá-la? -só pode fazer bem. Cumpre o ritual, veste um jeans e uma camiseta e percebe que só não piorou, como teria acontecido se tivesse ficado na cama. Mas melhorar que é bom, nada.
Resolve dar uma volta pelo bairro para respirar um pouco de ar fresco e quando passa por uma vitrine e se vê, mal se reconhece: os pés estão se arrastando, os ombros curvados e parece 20 anos mais do que tem. Volta para a casa e para a cama.
Por que acordou assim? Não houve nenhuma razão especial e nada de grave aconteceu em nenhum setor de sua vida. Está assim por nada, ou talvez por tudo. Não chega a ter vontade de morrer, mas não tem nenhuma de viver, e se soubesse que em cinco minutos o mundo ia se acabar e dependesse de um gesto seu para que isso não acontecesse, era capaz de ficar parada e quieta -e o mundo que se acabasse.
Mas nem todos os dias são iguais, e como sempre ouviu dizer, a vida continua, nada como um dia depois do outro etc. e tal.
Duas ou três semanas depois, ela, que mora no Rio e tem verdadeiro pa-vor à Barra da Tijuca -uma espécie de Miami carioca-, resolve comprar um telefone sem fio que só tem lá, num shopping na tal da Barra. Como está meio de bobeira, resolve se aventurar num programa que normalmente não faria.
Para quem não conhece: para chegar à Barra, se passa por vários túneis, o trânsito é intenso e, com boa vontade, são uns 35, 40 minutos de pista. Dentro do shopping, aquele caos que a gente já sabe, e quando entra no carro para voltar começa a se sentir a pessoa mais feliz do mundo. Detalhe 1: o dia estava um deslumbramento, com sol e céu azul. Detalhe 2: a volta da Barra é pela orla, e são praias e praias, umas de mar batido, outras de água mansa, em tons de azul e verde de tirar o fôlego. Em São Conrado, no mar, a garotada pegando surfe; no céu, outra garotada voando de asa delta e ainda o cheiro da maresia, meu Deus. E depois ainda teve o Leblon, Ipanema, o Arpoador, Copacabana, Botafogo, o Flamengo; ela foi ficando alegre, a alegria foi se transformando quase numa exaltação e em cada sinal que parava olhava para o carro ao lado e sorria para quem estivesse por ali, mesmo que tivesse cara de assaltante. E teve consciência de que estava feliz, que adorava a vida, que adorava viver. Nem lembrou dos tantos dias sombrios que já teve, mas pensou numa coisa, numa coisa em que nunca se pensa quando se é -ou se está- profunda e intensamente feliz.
Como é injusto morrer.

E-mail -
danuza.leao@uol.com.br


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