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GILBERTO DIMENSTEIN
O Brasil está nu, e isso pode até ser interessante
Quem fala mais a verdade:
policial, político, criança,
padre, professora, jornalista, empresário, advogado, artista de televisão ou motorista de táxi?
Esse teste da verdade foi feito
pelo Instituto Vox Populi na semana passada com 2.007 brasileiros de todas as classes sociais, espalhados em 115 cidades. Antes
mesmo de continuar a leitura
deste artigo, a maioria dos leitores já deve ter desconfiado de que
o político está por baixo. Cravou
1% de credibilidade, igualando-se
aos policiais, aos empresários e
aos artistas de televisão.
Nós, jornalistas, não estamos
tão mal, mas, considerando o fato
de que a nossa profissão existe
(pelo menos teoricamente) para
descobrir a verdade, o resultado
não é dos melhores: 7%. Na frente
dos jornalistas, está a professora,
com 14%, que, apesar de todo o
massacre salarial e da desvalorização profissional que enfrenta,
ainda está em alta na cotação de
credibilidade.
Em segundo lugar, os padres
atingiram um patamar aparentemente confortável. Só aparentemente. Isso porque somos uma
nação católica: 21% acham que o
padre é a figura que merece mais
credibilidade. É pouco perto do
primeiro colocado.
Venceu, com larga margem, a
criança, que obteve 42%, uma vez
mais do que o padre e cinco vezes
mais do que o jornalista. Prevalece, aqui, a visão da ingenuidade e
da pureza infantis -o que, pelo
menos na minha vivência, não
corresponde à realidade.
Criança mente e mente muito.
A diferença é que, em geral, os
adultos percebem e, assim, a mentira não funciona. De certa maneira, a criança é transparente,
não aprendeu ainda a sinuosidade dos adultos.
A retumbante vitória se deve
não só à presunção da pureza da
criança mas também ao vácuo de
credibilidade da sociedade. Passamos por um processo devastador de desvalorização da palavra,
em parte pela supremacia da
imagem, pelo culto ao pragmatismo a qualquer preço em contraposição ao sonho, pela reverência
doentia à aparência e ao desempenho e, enfim, pelo reinado do
marketing.
Se, no passado, o poder no Brasil foi moldado pelos bacharéis e,
depois, pelos economistas, hoje,
partidos e empresas deixam-se seduzir pelos marquetólogos para
vender produtos e idéias. Daí a
publicação que melhor espelha o
narcisismo coletivo ser a revista
"Caras", que, assim como certos
programas de TV, faz da intimidade matéria pública.
Na mídia eletrônica (a mídia
que, de fato, democratiza, bem ou
mal, a notícia), show e notícia
misturam as fronteiras -as notícias são apresentadas, em certos
casos, não por jornalistas, mas
por animadores de auditório. Nos
portais da internet, a informação
sobre a queda do ministro da Economia da Argentina aparece lado
a lado -e, muitas vezes com destaque menor- com chamadas
para fotos de modelos nuas, com
colunas de fofocas de artistas,
com receitas culinárias ou mesmo
com um bate-papo com um cantor de pagode.
Faz sentido o PFL sonhar em
lançar Silvio Santos como candidato; afinal, o apresentador ganhou a vida com sua magistral
capacidade de manipular palavras e imagens para conseguir audiência -audiência e fama são
os valores supremos.
Assim também se explica o bom
desempenho de um Anthony Garotinho, um gênio de marketing
para quem governar é, em essência, buscar audiência. Ou um
candidato como José Serra se submeter a truques e pegar carona
na propaganda do governo, feita
com dinheiro público.
A percepção da opinião pública
é que a imagem dos candidatos é
forjada pelo desempenho que
apresentam na mídia. E a construção dessa imagem não é orientada pela convicção sobre o que é
importante para o país, mas pelo
que é importante para as pesquisas.
Um notável exemplo da distância entre o real e o oficial ocorre
neste exato momento na cidade
de São Paulo. O assunto politicamente mais palpitante é o loteamento de cargos comandado pelo
PT, que tenta atrair personalidades como Orestes Quércia. Em
contraste com a pobreza política,
tem-se, nesta semana, uma riqueza da sociedade. Estão ocorrendo,
ao mesmo tempo, uma extraordinária mostra de Renoir, a Bienal
de artes plásticas focada nas metrópoles, a Bienal do Livro e uma
experiência num bairro (Vila
Buarque) transformado numa
galeria a céu aberto, além das intervenções artísticas de rua na deteriorada zona leste.
Para completar, centenas de
pessoas se dispuseram a posar
nuas no parque Ibirapuera para
participar de uma provocadora
obra de arte que vem percorrendo
as grandes cidades do mundo e
agora mostra o cosmopolitismo
de São Paulo.
É uma estupenda concentração
de inteligência, de criatividade e
de bom gosto convivendo com o
mau gosto público. O paulistano
nu revela a verdade criativa de
uma cidade; o rei estar nu revela
a mentira dos conchavos.
O Brasil da efervescência cultural desperta interesse, fazendo
que a população se afaste ainda
mais das estruturas oficiais e oficiosas de poder, o mundo dos rei
nus. Os poderes, como se vê na
pesquisa do Instituto Vox Populi,
estão arranhados a ponto de a
criança ficar tão bem colocada.
PS - A íntegra dessa inédita pesquisa do Instituto Vox Populi está
na página do Aprendiz: www.aprendiz.org.br.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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