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MOACYR SCLIAR
Até que o Leão nos separe
Casal deve declarar em separado.
Quando marido e mulher trabalham, em geral é vantagem para o
casal fazer a declaração separadamente.
Dinheiro Online, 23.abr.2003
Ele era de fazer as coisas
certinho, sobretudo quando
se tratava de obrigações legais.
Assim, lia e recortava todas as notícias que saíam sobre Imposto de
Renda, comprava todos os manuais que encontrava em bancas
de jornal. Tendo estudado bem a
questão, decidiu que ele e a mulher deveriam fazer declaração
em separado. Será a primeira coisa que não faremos juntos em 12
anos de casados, disse a ela, brincando. A esposa, mulher bonita e
bem mais jovem do que ele, concordou, como sempre. Mas disse
que faria a sua própria declaração. O que o deixou surpreso.
Acho que você não entende dessas
coisas, ponderou. Ela admitiu
que, de fato, não era de fazer cálculos e preencher formulários; estava, porém, na hora de aprender. Ainda desconcertado, ele
concordou, pedindo, porém, que ela o consultasse em caso de dúvida.
Não falaram mais sobre o assunto. Alguns dias antes do prazo
final, ele, sempre intrigado, perguntou sobre a declaração. Já entreguei, disse ela. O que, mais uma vez, foi uma surpresa. Ela
contou que a tarefa se revelara
mais complexa do que parecia e
resolvera, por isso, procurar um
contador. Que já enviara a declaração pela internet.
Àquela altura, ele estava francamente desconfiado. Encontrando numa gaveta o cartão do contador, resolveu investigar. Por
sorte, tinha uma parente que trabalhava no escritório do homem.
Essa parente obteve uma cópia da
declaração. E o que viu ali deixou-o estarrecido.
Em primeiro lugar, a mulher
ganhava muito mais do que ele
imaginava. O que, agora dava-se
conta, explicava os belos vestidos,
os sapatos de luxo, a despesa nos
salões de beleza. Em segundo lugar, ela tinha duas fontes de renda. Uma era a que ele conhecia: a
mulher era auxiliar de escritório
numa grande multinacional. Mas
os ganhos ali eram modestos, sobretudo quando comparados aos
resultantes da segunda fonte,
uma empresa registrada sob o
enigmático nome de Erotex.
Ele agora vive um dilema: deve
ou não descobrir o que é essa tal
de Erotex? O machismo ofendido
diz que sim: o marido tem de saber o que a mulher faz nas horas
vagas, ou não tão vagas assim.
Por outro lado, é possível que a
função dela na tal empresa nada
tenha a ver com erotismo; quem
sabe se trata de algo puramente
administrativo. Além disso, não é
pouco o dinheiro que ela ganha.
Claro, a mulher poderia ter sonegado e, com isso, ele, pelo menos, não ficaria sabendo. Mas
não é do estilo dela. Como o marido, em termos de obrigações legais, ela faz tudo certinho.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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