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PASQUALE CIPRO NETO
"A gente vai na adega"
No último domingo, mestre
Ferreira Gullar terminou sua
coluna com esta observação: "Na
crônica passada, escrevi "A gente
vai na adega do cara" . A revisão
corrigiu: "A gente vai à adega do
cara". E, com isso, estragou a graça
da frase seguinte". A "frase seguinte" era esta: "Cara, "nadega" é bunda de bêbado".
O grande poeta maranhense se
referia a uma conversa ocorrida
em uma recepção, "no apartamento de um bacana em Copacabana". A observação sobre "nadega"
foi feita por Millôr Fernandes.
O episódio é ótimo para tratarmos de uma questão importante: a
adequação da linguagem. Na norma padrão, os verbos que indicam
"movimento para" costumam reger a preposição "a". Integram essa lista os verbos "ir" e "chegar",
entre outros. No padrão formal,
portanto, vai-se a (ou "para") e
chega-se a algum lugar.
E na língua oral? Em algumas
regiões do Brasil, também se usa a
preposição "a" (sobretudo com o
verbo "ir"), mas, salvo engano,
predomina a preposição "em", o
que significa que frases como "Fui
na feira" e "Cheguei na escola" são
mais comuns do que "Fui à feira" e
"Cheguei à escola".
Em seu "Dicionário Prático de
Regência Verbal", Celso Luft faz
esta observação: "No português
brasileiro também ocorre ir em, sobretudo na fala, o que pode ser até
sobrevivência da língua-mãe (latim in urbem ire)". Em seguida,
Luft dá estes exemplos: "Vou em
casa", "Foi no centro (no médico,
no cinema etc.)". Depois de outras
citações e referências, Luft termina
desta forma a observação: "Mesmo
assim, em linguagem culta formal,
sobretudo escrita, recomenda-se ir
a ou para".
Voltemos ao texto de Gullar. O autor da memorabilíssima letra de "O
Trenzinho do Caipira" deveria ter
escrito "a gente vai à adega", ou seja, deveria ter optado pela norma
culta ao transcrever o que ocorreu
num diálogo, numa festa, entre
amigos? Seria o mesmo que exigir
que se vá à praia de terno e gravata.
Isso sem contar a essência da questão, que é a piada, destruída pelo
uso do verbo "ir" com a regência recomendada pela norma padrão.
Há algum tempo, a Unesp fez
uma questão baseada neste trecho
da canção "A Burguesia": "A burguesia quer ir a/em Nova York fazer compras". A banca examinadora queria que os candidatos dissessem o que poderia explicar o fato de que, no encarte do disco, está
escrito "ir a Nova York", mas, na
hora de gravar, Cazuza optou por
"ir em Nova York".
A explicação já está dada, não?
Na escrita, prevaleceu o código formal; no canto (mais próximo da
fala), prevaleceu o informal.
A coluna da semana passada
(sobre o nome do papa) deu o que
falar. Nunca recebi tantas mensagens dos leitores, alguns dos quais
ainda inconformados pela opção
por "Bento" (e não por "Benedito"). Ontem, o próprio papa afirmou que o nome escolhido por ele
tem relação com são Bento (patrono da Europa), que nasceu no fim
do século 5º. A esta altura, não vamos começar tudo de novo, vamos? Basta consultar alguns sites
ou enciclopédias para que se veja
que os 15 papas Bentos anteriores
tinham mesmo esse nome, e não
Benedito, embora Bento e Benedito sejam, essencialmente, a mesma
palavra, como afirmamos dom
Geraldo Majella, no último domingo ("Bento significa Benedito,
abençoado de Deus"), e eu, na semana passada. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
@ - inculta@uol.com.br
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