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"A vida começou de novo, para melhor"
Mantida refém por mais de 56 horas ao lado dos filhos, Mara Souza diz ter sentido misto de revolta e compaixão pelo criminoso
Durante entrevista, ela chegou a chorar por três vezes; seu marido descreveu os momentos como "terríveis e agoniantes"
MAURÍCIO SIMIONATO
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPINAS
"A gente começou a vida de
novo, e para melhor." Foi assim
que Mara Souza pôs um fim ao
drama de ter passado 56 horas
sob a mira de um revólver, com
os filhos, em sua própria casa.
Em entrevista ontem, menos
de 24 horas após o desfecho do
caso, ela chorou ao menos três
vezes ao lembrar os momentos
mais tensos do crime, em Campinas, e disse sentir um misto
de revolta e de compaixão pelo
criminoso. "Tenho um sentimento de revolta, mas também
ele não escolheu entrar lá."
Atendente de supermercado,
Mara, 29, falou ao lado do marido, o vendedor de seguros Isnaldo de Oliveira, 32, de uma
psicóloga e um médico. O marido falou pouco e chorou. Descreveu as 56 horas como "terríveis". Tiago, 7, Vítor, 10, e Murilo, 3, ficaram na casa da avó.
O drama chegou ao fim após
a polícia invadir a casa e render
o assaltante Gleivson Salles,
que acabara de dar um tiro contra a janela. Ela diz que esse foi
o momento mais "terrível".
"Desligaram a força e ele iria
deixar a gente sair. Disse que ia
se matar. Só que ligaram a força, ele ligou a TV e ouviu falarem o nome dele. Foi quando ficou doido. Abriu a janela, deu
um tiro e mandou que eu ligasse o gás. Deitou com meu filho
no chão, colocou a arma na cabeça dele e mandou eu deitar
por cima deles. Foi quando a
polícia chegou."
O assaltante, disse ela, mudava constantemente de humor.
"Ele se alterava em muitos momentos. Quando os negociadores começavam a conversar
com ele, ficava nervoso."
Em outros momentos, relaxava. "Parece até irônico, mas a
gente conversava sobre a família e coisas de que a gente gosta.
Quando ele falava "eu não vou
matar vocês", meus filhos confiavam. Eles brincaram até de
jogo da velha... Ele deu bons
conselhos às crianças. Disse para elas jamais seguirem o caminho que ele seguiu e para nunca
responderem para o pai e para a
mãe. Disse ainda que teve poucas oportunidades na vida."
Mas, se em alguns momentos
Mara expressava compaixão
em relação ao seu seqüestrador, em outros, revelava revolta. "As crianças urinavam em
garrafinhas de água. Eu fazia ali
onde estava sentada mesmo, no
sofá, porque não tinha como
sair. Depois, ele foi cedendo e
pude tomar um banho."
Os meninos Tiago, Vitor e
Murilo, segundo a mãe, ficaram
várias vezes tensos. "Eles ficavam nervosos na hora que ele
ficava nervoso também, nas horas que ele ligava o gás e ameaçava acender o fósforo, atirar.
Por incrível que pareça, eles foram bem adultos para a idade."
E completou: "Fiquei com raiva, mas ao mesmo tempo agradeço por ele não ter feito nada."
De volta à prisão
O assaltante voltou para o
Complexo Penitenciário de
Hortolândia, de onde fugiu em
outubro de 2005, por um túnel.
Ao contrário do que a polícia
afirmou anteontem, não foi
condenado por nenhum crime.
Ele é processado por quatro
tentativas de homicídio e porte
ilegal de armas em São Paulo.
O assaltante afirmou ontem
que se arrepende do crime. Ele
deverá ser indiciado por cárcere privado qualificado (por causar sofrimento moral às vítimas), roubo, porte ilegal de armas e disparo de arma de fogo
em local habitado.
Já Mara diz não saber o que
fazer. "Cogitamos a idéia de
mudar de casa. Mas mudar para
onde?"
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