São Paulo, sábado, 28 de abril de 2007

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"A vida começou de novo, para melhor"

Mantida refém por mais de 56 horas ao lado dos filhos, Mara Souza diz ter sentido misto de revolta e compaixão pelo criminoso

Durante entrevista, ela chegou a chorar por três vezes; seu marido descreveu os momentos como "terríveis e agoniantes"

MAURÍCIO SIMIONATO
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPINAS

"A gente começou a vida de novo, e para melhor." Foi assim que Mara Souza pôs um fim ao drama de ter passado 56 horas sob a mira de um revólver, com os filhos, em sua própria casa.
Em entrevista ontem, menos de 24 horas após o desfecho do caso, ela chorou ao menos três vezes ao lembrar os momentos mais tensos do crime, em Campinas, e disse sentir um misto de revolta e de compaixão pelo criminoso. "Tenho um sentimento de revolta, mas também ele não escolheu entrar lá."
Atendente de supermercado, Mara, 29, falou ao lado do marido, o vendedor de seguros Isnaldo de Oliveira, 32, de uma psicóloga e um médico. O marido falou pouco e chorou. Descreveu as 56 horas como "terríveis". Tiago, 7, Vítor, 10, e Murilo, 3, ficaram na casa da avó.
O drama chegou ao fim após a polícia invadir a casa e render o assaltante Gleivson Salles, que acabara de dar um tiro contra a janela. Ela diz que esse foi o momento mais "terrível".
"Desligaram a força e ele iria deixar a gente sair. Disse que ia se matar. Só que ligaram a força, ele ligou a TV e ouviu falarem o nome dele. Foi quando ficou doido. Abriu a janela, deu um tiro e mandou que eu ligasse o gás. Deitou com meu filho no chão, colocou a arma na cabeça dele e mandou eu deitar por cima deles. Foi quando a polícia chegou."
O assaltante, disse ela, mudava constantemente de humor. "Ele se alterava em muitos momentos. Quando os negociadores começavam a conversar com ele, ficava nervoso."
Em outros momentos, relaxava. "Parece até irônico, mas a gente conversava sobre a família e coisas de que a gente gosta. Quando ele falava "eu não vou matar vocês", meus filhos confiavam. Eles brincaram até de jogo da velha... Ele deu bons conselhos às crianças. Disse para elas jamais seguirem o caminho que ele seguiu e para nunca responderem para o pai e para a mãe. Disse ainda que teve poucas oportunidades na vida."
Mas, se em alguns momentos Mara expressava compaixão em relação ao seu seqüestrador, em outros, revelava revolta. "As crianças urinavam em garrafinhas de água. Eu fazia ali onde estava sentada mesmo, no sofá, porque não tinha como sair. Depois, ele foi cedendo e pude tomar um banho."
Os meninos Tiago, Vitor e Murilo, segundo a mãe, ficaram várias vezes tensos. "Eles ficavam nervosos na hora que ele ficava nervoso também, nas horas que ele ligava o gás e ameaçava acender o fósforo, atirar. Por incrível que pareça, eles foram bem adultos para a idade." E completou: "Fiquei com raiva, mas ao mesmo tempo agradeço por ele não ter feito nada."

De volta à prisão
O assaltante voltou para o Complexo Penitenciário de Hortolândia, de onde fugiu em outubro de 2005, por um túnel. Ao contrário do que a polícia afirmou anteontem, não foi condenado por nenhum crime. Ele é processado por quatro tentativas de homicídio e porte ilegal de armas em São Paulo.
O assaltante afirmou ontem que se arrepende do crime. Ele deverá ser indiciado por cárcere privado qualificado (por causar sofrimento moral às vítimas), roubo, porte ilegal de armas e disparo de arma de fogo em local habitado.
Já Mara diz não saber o que fazer. "Cogitamos a idéia de mudar de casa. Mas mudar para onde?"


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