São Paulo, terça-feira, 28 de abril de 2009

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Muro em favela de Niterói vira suporte para novos barracos

Barreira de 300 m de extensão construída há dez anos logo foi perfurada para passagem de moradores e usada como parede

Governo do Estado tenta repetir a iniciativa na cidade do Rio de Janeiro sob argumento de preservar as matas ao redor das favelas


Fábio Costa/Folha Imagem
Crianças brincam sobre o teto de um dos casebres colados ao muro construído em favela em Niterói

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Construído há dez anos para evitar a expansão da favela que crescia em frente ao cartão-postal de Niterói (a 15 km do Rio), um muro de 300 m de extensão é hoje usado como parede e apoio de novos casebres.
A barreira de quase três metros de altura foi construída no morro do Ingá, que fica diante da maior atração turística da cidade, o Museu de Arte Contemporânea, projetado, em mirante à margem da baía de Guanabara, por Oscar Niemeyer.
Em pouco tempo, o muro ficou cheio de passagens para a vizinha praia da Boa Viagem.
Em 2000, ano seguinte à construção, surgiram barracos no terreno que deveria estar inacessível, à borda de um penhasco de 50 metros, tornando a favela mais visível para quem visitava o museu e percorria a orla mais nobre de Niterói.
Por causa do risco de desmoronamento, houve a remoção dos invasores e a demolição das construções improvisadas.
No lado de dentro, porém, o morro viveu uma especulação imobiliária inesperada. Lotes foram vendidos ao lado do muro, que virou suporte de telhados e até parede dos barracos.
Hoje, quase toda a extensão do muro é grudada em moradias sem pintura, com esgoto vazado a céu aberto do lado de fora da barreira, perfurada para a passagem dos canos plásticos.
Líder comunitária que apoiou o muro como forma de proteção contra deslizamentos, Luíza Pinheiro de Mendonça, 78, critica a intenção do governo do Estado de murar 13 favelas na cidade do Rio. Para ela, os moradores estão sendo desrespeitados. "É humilhação para as comunidades pobres. Aqui havia claramente uma área de risco que precisava ser isolada. No Rio, isso não existe. Eles podem evitar o crescimento das favelas de outra forma. A verba deveria ser aplicada em saúde e educação", afirmou.
O governo do Estado diz que os muros no Rio vão preservar a mata ao redor das favelas.
Na favela de Niterói moram cerca de 2.000 pessoas, afirma a presidente da associação de moradores, Maria Rodrigues Batista, 51. Embora tenha, ao longo dos dez anos, conseguido sustar o avanço das construções, o muro não impediu a visualização dos barracos, que crescem verticalmente e são avistados com nitidez da praia de Icaraí, a cerca de 1,5 km.
A prefeitura construiu em 2008, ao lado do muro, um novo prédio de Niemeyer, o Módulo de Ação Comunitária. Inaugurado em dezembro, o Maquinho (apelido da construção) está praticamente desativado, por dificuldade de acesso e pela falta de planejamento.
De volta ao cargo desde janeiro, o prefeito Jorge Roberto Silveira (PDT), em cuja gestão foi construído o muro em 1999, disse que era preciso conter a expansão da favela, "que já tinha chegado a seu máximo".
"A partir de um determinado ponto ia ficar um negócio de alto risco. Na primeira chuva, desceriam barracos com crianças, pessoas idosas e a responsabilidade seria nossa. Se fosse agressão, discriminação, evidente que o muro já teria sido derrubado", disse o prefeito, que defende a adoção de limites ecológicos, "não necessariamente muros" e "de comum acordo com a comunidade".


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