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URBANIDADE
O espírito do lugar
9h10, AVENIDA SÃO LUÍS Antes de ser extensão dos membros, um carro é um espaço habitado: o corpo sabe entrar, reconhece, não precisa buscar freio ou acelerador porque nas pernas ainda tem memória do último uso; objetos e instrumentos são carregados de sentido, subtraídos ao anonimato pelas repetidas operações motoras. O trânsito é, no fundo, um grande dominó de espaços existenciais. (VINCENZO SCARPELLINI)
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Lorenzo Mammi nasceu
em Roma, onde, nas suas
memórias de infância, as ruas
pareciam uma extensão da sala
de estar. Estudou história da
música em Florença, onde
aprendeu como a arte dá vida a
uma cidade. Veio para São Paulo atrás de uma paixão -casou-se com uma brasileira- e aqui
iria misturar os prazeres da rua
com os da arte para ajudar um
bairro a renascer.
Diretor do Centro Universitário Maria Antônia, Lorenzo é
um dos articuladores da transformação do bairro de Vila
Buarque, espremido entre o refinamento de Higienópolis e a degradação da "boca do lixo", numa experiência cultural de revitalização urbana. "Uma cidade
democrática tem de oferecer
pontos de encontro onde todos,
ricos e pobres, se identifiquem.
Esse papel no passado foi reservado às igrejas e depois também
aos teatros. Agora, é um dos papéis dos centros culturais", diz.
Ao ser convidado para dirigir e
revitalizar o "Mariantônia", como é apelidado o centro cultural,
foi conhecendo, nas redondezas,
outros espaços, como Sesc, Teatro Anchieta, Biblioteca Monteiro Lobato, Mackenzie, Ação
Educativa, Senac, Aliança Francesa, Escola de Sociologia e Política, Pólis, Escola da Cidade, Instituto dos Arquitetos do Brasil.
Engajou-se, então, na criação
de um roteiro de arte que percorreria articuladamente essas instituições. Em essência, um centro
cultural a céu aberto. "Vimos
que muita gente estava disposta
a fazer muita coisa", diz.
A experiência começou com o
lançamento, no ano passado, do
"Genius Loci - o Espírito do Lugar". Na Roma antiga, acreditava-se que cada lugar tivesse seu
espírito a ser domado pelos humanos. Com base nessa crença,
60 artistas espalharam obras em
galerias de arte, bares, praças,
estacionamentos, oficinas mecânicas e até em uma delegacia.
Desde então, o roteiro não parou
de produzir eventos conjuntos.
O projeto de conquistar pelas
artes aquele bairro, tão dominado pelo espírito da degradação
paulistana, entra neste ano em
mais um estágio. Começam as
obras para construir ao lado do
Mariantônia uma praça com
um auditório subterrâneo. Responsáveis por vários edifícios do
entorno estão sendo convidados
a mudar suas entradas para
transformar aquela praça numa
área comum -pelo menos ali, o
espírito democrático das ruas do
menino Lorenzo estará de volta.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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