São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 2002

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URBANIDADE

A música que virou biblioteca

Vincenzo Scarpellini
SALONE PER TE, DESDE 1968 Na galeria Califórnia. Nenhuma outra realidade contribui tanto para formar uma consciência de nós mesmos quanto um salão. Sente-se na poltrona. Entregue a cabeça ao barbeiro. Penetre no espelho com distraída curiosidade e comece a lobrigar os horizontes mais longínquos de suas ansiedades. Barbeiro: será a última profissão a ser usurpada pelas máquinas (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Incomodado com a distância existente entre os livros e os jovens da Cidade Tiradentes, bairro onde mora, o rapper Adalberto da Silva, conhecido como Betinho, resolveu lançar uma música exótica se levados em conta os padrões locais, intitulada "Vamos Ler um Livro". Não podia imaginar que a música fosse acabar virando uma biblioteca.
"Procure se informar/ Não seja o mestre da burrice/ São tantos que falam merda/ Isso enjoa é um tomento/ Procure ler um livro/ Pois é a máquina do tempo." Tocada nos shows de rap, a música até que pegou, mas Betinho percebeu o erro: "Estávamos cobrando leitura de quem dificilmente consegue ir a uma biblioteca", constatou.
Nascido na Paraíba e criado na periferia de Recife (veio a São Paulo quando era adolescente), Betinho e seus parceiros do grupo Mucambo aproveitaram os shows e pediram doações para a construção de uma biblioteca comunitária. "Começou meio na brincadeira.""
Conseguiram recursos para inaugurar, neste ano, a biblioteca comunitária Solano Trindade (o nome é uma homenagem ao poeta negro pernambucano), que será administrada pelos próprios moradores. No primeiro mês, 300 jovens se cadastraram; agora, já são mais de 700. Sempre que possível misturam-se ali literatura e música. "É preciso estudar muito um assunto para compor um rap, não dá para falar qualquer coisa.""
A primeira dessas misturas Betinho fez quando chegou a São Paulo, apaixonado apenas por maracatu, frevo e baião. Logo se encantou com as batidas do movimento hip hop. "Descobri muita semelhança entre a musicalidade do rap e o repente nordestino."
Um sonho musical está em discussão entre os frequentadores da biblioteca: a criação de um selo cooperativo para lançar talentos jovens da periferia. Talvez esse sonho saia do papel mais cedo do que Betinho imagina: a rádio Brasil 2000 decidiu, na semana passada, que parte do faturamento da emissora será destinada a uma incubadora de talentos musicais, especialmente da periferia.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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