São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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DANUZA LEÃO

Abençoados os que dormem

O mundo é dividido em dois tipos de gente: os que dormem com facilidade e os insones. Eu, infelizmente, pertenço ao segundo grupo.
Já fiz de tudo: tomei banhos mornos de imersão uma hora antes de ir para a cama, bebi chás de todas as qualidades, fiz meditação, botei a televisão baixinha, ouvi mantras, pensei na vida, redecorei a casa mentalmente, algumas vezes fui para a sala e arrastei os móveis, e nada. No capítulo chás, apelei até para um chá de maconha, que um amigo me cedeu, gentilmente, mas nada: o sono não veio.
Entrei na área química e passei por quase todo o tipo de comprimidos: os rosas, os cinzas, os brancos, alguns redondinhos, outros compridinhos, sendo que no último item encontrei o meu mais querido, um azulzinho. Mas comprimidos dão medo, porque dizem que destroem os neurônios, e, como o efeito dura não mais que quatro horas, lá pelas três, quatro da madrugada, acordo, ligada, enquanto o mundo inteiro dorme serenamente.
Algumas pessoas são suficientemente calmas para ler um livro, mas os ansiosos não conseguem; se o livro for bom, afasta o sono, e se for ruim, não dá nem para ler a primeira página. Com a televisão, a mesma coisa, e a essa hora não se tem nem com quem falar. Deveria haver um clube dos insones, para que pudéssemos nos telefonar na madrugada para comentar as notícias, os filmes, e até falar mal dos políticos, o que pode ser perigoso: esse assunto é tão palpitante que corremos o risco de ver o dia amanhecer sem conseguir fechar os olhos.
Tenho um amigo que, quando acorda na madrugada, vai para a sala, acende todas as luzes, põe um CD e toma dois ou três uísques, fingindo que é uma hora normal, para não pensar que está tendo insônia. Já tentei, mas não consegui: às quatro da manhã eu quero é dormir, a noite foi feita para isso, e invejo muito os que dizem que põem a cabeça no travesseiro e dormem o sono dos justos.
Não é um problema de consciência: não tenho nada que pese na minha, não pertenço a nenhum partido, não recebo mensalão, e o sono não vem. Já freqüentei um psiquiatra que me custou uma fortuna; ele conversava muito, trocava os remédios todo mês, mas desisti, por falta de resultados concretos. O que eu queria mesmo era uma anestesia geral, todas as noites, o que seria um sonho. Mas infelizmente nenhum anestesista aceitou minha proposta: vir à minha casa diariamente, às onze da noite, e me fazer dormir como um anjo, eu bem que merecia.
Não há cansaço que ajude; nem ginástica, nem desfile de escola de samba nem ver certos depoimentos na CPI me fazem dormir. Posso ficar cansada, exausta, mas a cabeça está sempre agitada, pensando, imaginando, sonhando. Às 5h30 as coisas melhoram, pois os jornais chegam às 6h, mas a espera parece muito mais longa do que é, na realidade. E a cara, no dia seguinte? É melhor nem falar.
Mas já que eu penso tanto, imagino tanto, sonho tanto, vou tentar reverter essa situação. Nesta noite vou me preparar para dormir como se fosse a uma festa; além de uma maquiagem caprichada, vou escovar muito meus cabelos, borrifar meus lençóis com algumas gotas de lavanda, usar uma camisola toda de rendas -que não tenho, mas vou comprar-, me deitar achando que sou uma princesa de conto de fadas e que meu príncipe encantado vai chegar, mas se me encontrar dormindo nunca mais vai voltar.
Hoje vai ser a melhor noite de minha vida; vou passá-la acordada, como sempre, mas muito feliz.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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