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DANUZA LEÃO
Abençoados os que dormem
O mundo é dividido em dois
tipos de gente: os que dormem com facilidade e os insones.
Eu, infelizmente, pertenço ao segundo grupo.
Já fiz de tudo: tomei banhos
mornos de imersão uma hora antes de ir para a cama, bebi chás de
todas as qualidades, fiz meditação, botei a televisão baixinha,
ouvi mantras, pensei na vida, redecorei a casa mentalmente, algumas vezes fui para a sala e arrastei os móveis, e nada. No capítulo chás, apelei até para um chá
de maconha, que um amigo me
cedeu, gentilmente, mas nada: o
sono não veio.
Entrei na área química e passei
por quase todo o tipo de comprimidos: os rosas, os cinzas, os brancos, alguns redondinhos, outros
compridinhos, sendo que no último item encontrei o meu mais
querido, um azulzinho. Mas comprimidos dão medo, porque dizem que destroem os neurônios, e,
como o efeito dura não mais que
quatro horas, lá pelas três, quatro
da madrugada, acordo, ligada,
enquanto o mundo inteiro dorme
serenamente.
Algumas pessoas são suficientemente calmas para ler um livro,
mas os ansiosos não conseguem;
se o livro for bom, afasta o sono, e
se for ruim, não dá nem para ler a
primeira página. Com a televisão,
a mesma coisa, e a essa hora não
se tem nem com quem falar. Deveria haver um clube dos insones,
para que pudéssemos nos telefonar na madrugada para comentar as notícias, os filmes, e até falar mal dos políticos, o que pode
ser perigoso: esse assunto é tão
palpitante que corremos o risco
de ver o dia amanhecer sem conseguir fechar os olhos.
Tenho um amigo que, quando
acorda na madrugada, vai para a
sala, acende todas as luzes, põe
um CD e toma dois ou três uísques, fingindo que é uma hora
normal, para não pensar que está
tendo insônia. Já tentei, mas não
consegui: às quatro da manhã eu
quero é dormir, a noite foi feita
para isso, e invejo muito os que
dizem que põem a cabeça no
travesseiro e dormem o sono dos
justos.
Não é um problema de consciência: não tenho nada que pese
na minha, não pertenço a nenhum partido, não recebo mensalão, e o sono não vem. Já freqüentei um psiquiatra que me custou
uma fortuna; ele conversava muito, trocava os remédios todo mês,
mas desisti, por falta de resultados concretos. O que eu queria
mesmo era uma anestesia geral,
todas as noites, o que seria um sonho. Mas infelizmente nenhum
anestesista aceitou minha proposta: vir à minha casa diariamente, às onze da noite, e me fazer dormir como um anjo, eu bem
que merecia.
Não há cansaço que ajude; nem
ginástica, nem desfile de escola de
samba nem ver certos depoimentos na CPI me fazem dormir. Posso ficar cansada, exausta, mas a
cabeça está sempre agitada, pensando, imaginando, sonhando.
Às 5h30 as coisas melhoram, pois
os jornais chegam às 6h, mas a espera parece muito mais longa do
que é, na realidade. E a cara, no
dia seguinte? É melhor nem falar.
Mas já que eu penso tanto, imagino tanto, sonho tanto, vou tentar reverter essa situação. Nesta
noite vou me preparar para dormir como se fosse a uma festa;
além de uma maquiagem caprichada, vou escovar muito meus
cabelos, borrifar meus lençóis
com algumas gotas de lavanda,
usar uma camisola toda de rendas -que não tenho, mas vou
comprar-, me deitar achando
que sou uma princesa de conto de
fadas e que meu príncipe encantado vai chegar, mas se me encontrar dormindo nunca mais vai
voltar.
Hoje vai ser a melhor noite de
minha vida; vou passá-la acordada, como sempre, mas muito feliz.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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