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SAÚDE
Gastos aumentaram 61%; para ONGs, solução é quebrar patentes, mas cientista defende debate sobre focalização de despesas
Custo leva política de Aids a encruzilhada
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O aumento estimado de 61% este ano nos gastos do governo federal com a distribuição de anti-retrovirais para portadores do vírus da Aids mostra que o programa brasileiro-um dos mais elogiados internacionalmente-
chegou a uma encruzilhada. Para
se manter viável, precisará adotar
soluções drásticas para continuar
atendendo todos os pacientes.
Entre as soluções apresentadas
por ONGs e cientistas para esse
dilema, há desde a pressão por
uma política mais radical de quebra de patentes até a discussão sobre se todos, inclusive os mais ricos, devem continuar sem pagar
pelo tratamento.
No ano passado, segundo o Ministério da Saúde, o governo gastou R$ 621 milhões com a compra, a fabricação e a distribuição
de anti-retrovirais. Neste ano, por
causa da compra de drogas mais
avançadas, o gasto projetado chegou a R$ 1 bilhão, o que já significa 30% do orçamento total do ministério para medicamentos.
Apesar de mais brasileiros estarem se beneficiando dessa política, a estimativa de gasto por paciente neste ano subirá pela primeira vez desde 1996, quando o
governo despedia US$ 6.240 por
pessoa. Por causa da redução de
importação de medicamentos
que tinham patente protegida, o
governo conseguiu diminuir, ano
a ano, esse valor ao patamar de
US$ 1.336 no ano passado.
No entanto, segundo o Ministério da Saúde, a inclusão de novos
medicamentos importados e com
patente protegida no programa
fará com que, neste ano, esse valor
aumente 87%, chegando a US$
2.500. Como o número de pacientes no programa aumenta a cada
ano, o coordenador do programa
de DST/Aids do Ministério da
Saúde, Pedro Chequer, diz que
"sem uma intervenção política do
governo para modificar esse quadro o país caminhará para uma situação insustentável".
Parte do problema que se apresenta agora ao Ministério da Saúde é fruto da própria eficácia do
programa. A partir do momento
em que o governo decidiu, em
1996, que esses medicamentos seriam distribuídos gratuitamente a
todos os que precisassem, a sobrevida dos pacientes com Aids
aumentou. De 1996 a 2003, a taxa
de óbito por por Aids no país caiu
de 9,6 para 6,4 por mil habitantes,
segundo o Ministério da Saúde.
Como nem todos os portadores
do vírus da Aids já estão recebendo anti-retrovirais -o coquetel
só é recomendado quando o sistema imunológico do paciente passa a ser afetado de maneira mais
intensa-, a perspectiva é que o
número de beneficiados pelo programa só aumente.
"Haverá cada vez mais pacientes na rede pública. Isso é muito
bom, porque são doentes que têm
uma perspectiva de vida que não
tinham antes. Hoje, há 600 mil
brasileiros com o vírus da Aids,
mas 150 mil no programa. Isso
significa que, mais cedo ou mais
tarde, boa parte deles terá que cair
na rede pública", explica Mário
Scheffer, da ONG Grupo Pela
Vidda, de São Paulo.
As soluções apontadas para sair
desse dilema variam de acordo
com o interlocutor. Para ONGs
que representam pacientes ou especialistas na questão, o governo
está demorando demais para tomar uma atitude mais drástica em
relação à quebra de patentes. Eles
defendem que não há mais espaço para negociação e que o momento é de quebrar patentes.
Mauro Schechter, professor titular de infectologia da UFRJ e
membro do grupo que escreve as
recomendações para o tratamento da Sociedade de AIDS dos EUA
e da Organização Mundial da
Saúde, discorda das propostas de
licenciamento compulsório. Ele
diz que a solução para esse problema tem que ser discutida com
a comunidade internacional,
questionando, inclusive, se todos
devem receber remédios de graça.
Para ele, é preciso debater se a
discussão sobre os preços pagos
deve acontecer de acordo com o
grau de desenvolvimento do país
ou a partir da capacidade de pagamento de cada indivíduo, independentemente de sua cidadania.
"A Aids é um problema mundial. A solução tem que ser global
também, e não apenas de um país.
Eu não sei qual é a solução, mas
acho que ela deve ser partilhada. É
preciso discutir se vamos pensar
numa solução por país ou por indivíduo. Parece-me evidente que
o Brasil tem capacidade de pagar
bem maior do que os países da
África e muito menor do que os
Estados Unidos e a Europa ocidental. Achar a proporcionalidade justa é a grande questão."
Ele afirma que é preciso discutir
se essa proporcionalidade não
tem que ser per capita: "Por que
um cidadão de um país em desenvolvimento com renda média de
R$ 30 mil vai ter remédio de graça,
enquanto um operário europeu
terá que pagar por ele. Isso é justo? Eu não sei, mas acho que tem
que ser discutido levando em
conta que esse é um problema
global, e não de um único país".
Chequer, do Ministério da Saúde, descarta a hipótese de o governo cobrar de quem pode pagar:
"O sistema de saúde brasileiro é
universal por uma premissa constitucional". "Ninguém faz essa
pergunta para as campanhas de
vacinação porque elas salvam vidas. Não ter remédio para todos é
deixar pessoas morrerem", diz
Michel Lotrowska, da ONG Médicos Sem Fronteiras.
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