São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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SAÚDE

Gastos aumentaram 61%; para ONGs, solução é quebrar patentes, mas cientista defende debate sobre focalização de despesas

Custo leva política de Aids a encruzilhada

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O aumento estimado de 61% este ano nos gastos do governo federal com a distribuição de anti-retrovirais para portadores do vírus da Aids mostra que o programa brasileiro-um dos mais elogiados internacionalmente- chegou a uma encruzilhada. Para se manter viável, precisará adotar soluções drásticas para continuar atendendo todos os pacientes.
Entre as soluções apresentadas por ONGs e cientistas para esse dilema, há desde a pressão por uma política mais radical de quebra de patentes até a discussão sobre se todos, inclusive os mais ricos, devem continuar sem pagar pelo tratamento.
No ano passado, segundo o Ministério da Saúde, o governo gastou R$ 621 milhões com a compra, a fabricação e a distribuição de anti-retrovirais. Neste ano, por causa da compra de drogas mais avançadas, o gasto projetado chegou a R$ 1 bilhão, o que já significa 30% do orçamento total do ministério para medicamentos.
Apesar de mais brasileiros estarem se beneficiando dessa política, a estimativa de gasto por paciente neste ano subirá pela primeira vez desde 1996, quando o governo despedia US$ 6.240 por pessoa. Por causa da redução de importação de medicamentos que tinham patente protegida, o governo conseguiu diminuir, ano a ano, esse valor ao patamar de US$ 1.336 no ano passado.
No entanto, segundo o Ministério da Saúde, a inclusão de novos medicamentos importados e com patente protegida no programa fará com que, neste ano, esse valor aumente 87%, chegando a US$ 2.500. Como o número de pacientes no programa aumenta a cada ano, o coordenador do programa de DST/Aids do Ministério da Saúde, Pedro Chequer, diz que "sem uma intervenção política do governo para modificar esse quadro o país caminhará para uma situação insustentável".
Parte do problema que se apresenta agora ao Ministério da Saúde é fruto da própria eficácia do programa. A partir do momento em que o governo decidiu, em 1996, que esses medicamentos seriam distribuídos gratuitamente a todos os que precisassem, a sobrevida dos pacientes com Aids aumentou. De 1996 a 2003, a taxa de óbito por por Aids no país caiu de 9,6 para 6,4 por mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde.
Como nem todos os portadores do vírus da Aids já estão recebendo anti-retrovirais -o coquetel só é recomendado quando o sistema imunológico do paciente passa a ser afetado de maneira mais intensa-, a perspectiva é que o número de beneficiados pelo programa só aumente.
"Haverá cada vez mais pacientes na rede pública. Isso é muito bom, porque são doentes que têm uma perspectiva de vida que não tinham antes. Hoje, há 600 mil brasileiros com o vírus da Aids, mas 150 mil no programa. Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, boa parte deles terá que cair na rede pública", explica Mário Scheffer, da ONG Grupo Pela Vidda, de São Paulo.
As soluções apontadas para sair desse dilema variam de acordo com o interlocutor. Para ONGs que representam pacientes ou especialistas na questão, o governo está demorando demais para tomar uma atitude mais drástica em relação à quebra de patentes. Eles defendem que não há mais espaço para negociação e que o momento é de quebrar patentes.
Mauro Schechter, professor titular de infectologia da UFRJ e membro do grupo que escreve as recomendações para o tratamento da Sociedade de AIDS dos EUA e da Organização Mundial da Saúde, discorda das propostas de licenciamento compulsório. Ele diz que a solução para esse problema tem que ser discutida com a comunidade internacional, questionando, inclusive, se todos devem receber remédios de graça.
Para ele, é preciso debater se a discussão sobre os preços pagos deve acontecer de acordo com o grau de desenvolvimento do país ou a partir da capacidade de pagamento de cada indivíduo, independentemente de sua cidadania.
"A Aids é um problema mundial. A solução tem que ser global também, e não apenas de um país. Eu não sei qual é a solução, mas acho que ela deve ser partilhada. É preciso discutir se vamos pensar numa solução por país ou por indivíduo. Parece-me evidente que o Brasil tem capacidade de pagar bem maior do que os países da África e muito menor do que os Estados Unidos e a Europa ocidental. Achar a proporcionalidade justa é a grande questão."
Ele afirma que é preciso discutir se essa proporcionalidade não tem que ser per capita: "Por que um cidadão de um país em desenvolvimento com renda média de R$ 30 mil vai ter remédio de graça, enquanto um operário europeu terá que pagar por ele. Isso é justo? Eu não sei, mas acho que tem que ser discutido levando em conta que esse é um problema global, e não de um único país".
Chequer, do Ministério da Saúde, descarta a hipótese de o governo cobrar de quem pode pagar: "O sistema de saúde brasileiro é universal por uma premissa constitucional". "Ninguém faz essa pergunta para as campanhas de vacinação porque elas salvam vidas. Não ter remédio para todos é deixar pessoas morrerem", diz Michel Lotrowska, da ONG Médicos Sem Fronteiras.


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