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GILBERTO DIMENSTEIN
Independência começa no berço
Na próxima quarta-feira , em Brasília, o Congresso vai assistir a uma inusitada
"carrinhata" de bebês, levados
por suas mães. Com o slogan a
"Educação começa no Berço", a
manifestação visa chamar a atenção para um dos maiores crimes
sociais praticados no país. Apenas
11% das crianças de até três anos
estão nas creches -e a maioria
delas vem de famílias de maior
poder aquisitivo. Em outras palavras, são 11 milhões de bebês sem
creche.
Esse movimento, sustentado por
200 entidades, está tentando sensibilizar os parlamentares e os governantes para que invistam mais
recursos na educação infantil.
Neste momento de crise aguda,
em que não se sabe nem mesmo se
o presidente da República vai terminar seu mandato, uma passeata de bebês tende a passar despercebida ou a ser encarada como
folclore. Nesse gesto, porém, está
embutida uma discussão que é
mais importante para o futuro do
país do que o destino de Lula ou
do PT.
E isso não só porque detalhados
estudos mostram que as dificuldades de aprendizado começam
no berço, por falta de estímulo (está aí, como se vê, uma das raízes
da desigualdade). Há muito mais
em jogo do que se imagina.
Paralelamente à articulação por
mais recursos para a educação infantil, começou, neste mês, uma
articulação de bastidores, que envolve empresários, intelectuais e
dirigentes de entidades não-governamentais, em busca de um
pacto.
Até maio do próximo ano, pretende-se lançar um manifesto
com a assinatura de personalidades brasileiras e de dirigentes das
mais diversas entidades da sociedade. Nesse documento estariam
incluídos nomes de artistas, de jogadores de futebol, de membros
da Fiesp, da Febraban, da CUT e
da Força Sindical, de representantes de entidades estudantis, de
professores, de reitores e de dirigentes municipais e estaduais.
O objetivo da iniciativa é ambicioso: fixar a educação como a
prioridade das prioridades, apresentada como uma espécie de
Abolição da Escravatura do século 21 e, ao mesmo tempo, como
uma nova declaração de Independência. Exagero? Não.
Indivíduos sem educação de
qualidade sofrem severas limitações no exercício de seus direitos.
São pessoas com baixa autonomia. Uma nação cuja maioria
dos habitantes esteja nessa condição só pode considerar-se independente na teoria, porque, na
prática, não o é.
O que se pretende é ir além do
manifesto episódio. Metas devem
ser estabelecidas e, a seguir, monitoradas, tal qual se faz com os
números da inflação ou do crescimento econômico. Simbolicamente, nas discussões iniciais, é
usado como referência o ano de
2022 . Como os brasileiros deverão estar educados no ano em que
vamos comemorar o bicentenário
da Independência?
A idéia é monitorar anualmente indicadores de quantidade, ou
seja, o número de matrículas realizadas da educação infantil, a
começar das creches, ao ensino
superior. Seria fixado, por exemplo, que, em 2022, nenhuma
criança ficaria sem creche ou pré-escola.
Outro indicador seria o de qualidade. Uma excelente notícia é
que, neste ano, o Ministério da
Comunicação vai começar a aplicar testes de português e matemática na imensa maioria dos estudantes de quarta e oitava séries
de 5.000 municípios brasileiros.
Será não mais uma amostra, como tem sido até agora, mas um
teste universal.
Com o avanço dos indicadores
de avaliação da educação dos
brasileiros, lançados na década
de 1990, já é possível perseguir,
com razoável grau de precisão e
objetividade, metas de quantidade e de qualidade.
Surge, porém, outra questão, esta mais grave: será que o Brasil já
está preparado o suficiente para
fazer uma associação da educação com a escravatura e com a independência, mobilizando os governantes? Talvez sim.
Parte do meu razoável otimismo vem das conversas que tenho
tido com alguns dos mais importantes dirigentes empresariais e
sindicais brasileiros. Eles estão
aprendendo que o investimento
em capital humano passou a ser
tão importante quanto o investimento em capital físico (portos,
aeroportos, máquinas, hidrelétricas). Mais e mais economistas
têm demonstrado matematicamente esse efeito da educação no
crescimento econômico e na distribuição da renda.
Alguns governadores e prefeitos
têm patrocinado experiências interessantes para a melhoria das
escolas, treinando professores,
ajustando currículos à realidade
dos estudantes e abrindo-se para
a comunidade. Está nascendo,
por exemplo, a figura do professor
comunitário, que, partindo da escola, aprende a envolver as famílias, o bairro e a cidade no processo educativo. Estão aparecendo
programas para formar melhores
diretores. É fato que cresce em todo o país o número de organizações e de voluntários dispostos a
ajudar uma escola ou um estudante.
É pouco ante as necessidades?
O que dá combustível ao meu
razoável otimismo é a conversa
com gente que não pertence à elite, com as mães que vão levar seus
bebês ao Congresso. Espalham-se
nas regiões metropolitanas cursinhos pré-vestibulares gratuitos;
milhões de adultos fazem supletivos à noite e nos fins de semana;
explodem as matrículas no ensino médio; e disseminam-se cursos
técnicos.
Essa gente simples, que, muitas
vezes, trabalha durante o dia e estuda à noite, sabe que sua independência está na razão direta de
sua formação.
PS - Na semana passada, foram
divulgados, num seminário, novos dados sobre experiências que
envolvem família, escola e comunidade. É nisso que se monta a
verdadeira blindagem contra as
mazelas nacionais. Fiz um dossiê
sobre o assunto, que está no site
www.dimenstein.com.br.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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