São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Greve tenta derrubar secretário, diz delegado

Líder da paralisação dos policiais civis de SP diz que saída de Ronaldo Marzagão da Segurança agora é uma reivindicação

Afastado do cargo, Sergio Roque diz que secretário alimenta divergências entre as polícias ao mandar policiais militares fazerem BOs

ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Sergio Marcos Roque, 66, delegado há 22 anos, foi um dos policiais punidos na semana passada pelo governo José Serra (PSDB) por participar da greve da Polícia Civil, que completa hoje 13 dias.
Presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil de São Paulo e um dos líderes do movimento grevista, Roque afirma que as relações da polícia com o secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão estão "esgarçadas". "Estão rompidas, não há como reatar isso daí", disse. O delegado, que trabalhava no setor de inteligência da polícia, foi afastado na semana passada.
Segundo ele, agora a saída do secretário passou a fazer parte da pauta de reivindicações.
"Ele tem nos tratado como se fôssemos marginais." Leia a seguir trechos da entrevista.

 

FOLHA - Confesso que não acreditava nessa greve. Pensei: a Polícia Civil não consegue fazer greve.
SERGIO MARCOS ROQUE -
Foi a mesma coisa que o governo pensou. Eles subestimaram. A verdade é essa. A Polícia Civil nunca fez greve. Teve ameaças, arremedos, mas nunca teve. Como não tínhamos essa cultura, o Estado subestimou.

FOLHA - É o salário o principal descontentamento da classe?
ROQUE -
Não é o salário. O principal motivo é a falta de recursos e a maneira como os policiais estão sendo tratados.

FOLHA - Como é o tratamento?
ROQUE -
Não há respeito da Secretaria da Segurança aos policiais civis e aos delegados de polícia. Há um regime quase de escravidão. A cúpula está num pedestal, se isola naquele pedestal e não sabe o que acontece na base. Nunca conversei com o secretário. Nunca ele me chamou para conversar: "Sergio, como estão delegados? Como está a polícia?". Nunca, jamais. Ele também é muito mal informado. Ele tem lá uma blindagem dos assessores de imprensa, dos próprios delegados que o assessoram, que procuram não levar para ele o que realmente está acontecendo. Como é o que está acontecendo com a greve. Dizem que "tem 30%". Tem 100% no interior. Se não for 100%, é 98%.

FOLHA - As medidas que ele vêm adotando pioram essa situação?
ROQUE -
Ele está, levianamente, colocando lenha na fogueira nas relações, que já não eram muito boas, entre as polícias Civil e Militar. Com os oficiais, entre os praças, [a relação] é perfeita. Em vez de apaziguar, ele, através dessas ações -de determinar que os policiais militares façam ocorrências e requisitem [perícia]-, só está alimentando a divergência.

FOLHA - Eu pergunto sobre as medidas punitivas contra os policiais. O que representa isso no relacionamento com o secretário?
ROQUE -
Com esse secretário, se ele continuar, o relacionamento será péssimo. Péssimo. Por quê? Porque tem demonstrado que não gosta da Polícia Civil. Aliás, ele não gosta da polícia, principalmente da Civil. A gente percebe claramente. Ele tem nos tratado como fôssemos marginais. Estamos fazendo uma coisa que é direito nosso, que é direito de greve. As relações entre esse atual secretário com a polícia estão esgarçadas. Estão rompidas, não há como reatar isso daí. Não há.

FOLHA - Vai entrar na pauta de reivindicação a saída do Marzagão?
ROQUE -
Já entrou. Quando fomos à Secretaria da Segurança Pública, nessa última passeata, falamos no refrão "Marzagão, peça demissão". Isso já mostrou [que está na pauta].

FOLHA - Dizem que vocês aproveitam o momento político para fazer a greve, que estão ligados à CUT...
ROQUE -
Tivemos muito cuidado para não dar uma coloração político-partidária. Tanto é que [o movimento] não começou agora. Começou em fevereiro. O governo é que nos levou até agora. Ele deveria ter chamado para conversar bem antes. A CUT cedeu um carro de som, um dia, e estão fazendo o maior alarde. A participação da CUT se resume a um carro de som.

FOLHA - O senhor disse que a polícia consegue interferir no resultado de uma eleição. O que quer dizer?
ROQUE -
Não existe no Estado de São Paulo um município que não tenha um delegado. E o delegado é formador de opinião. A população do interior tem muito respeito pelo delegado. Em São Paulo e no Brasil. Talvez em Estados menores isso possa ser ainda mais forte. Então, se o governador fizesse uma reflexão -ele é eventual candidato a Presidência da República. Estou fazendo pressão política? Estou, isso é legítimo.

FOLHA - Vocês vão usar esse argumento para pedir a saída de Ronaldo Marzagão?
ROQUE -
Não precisa disso para pedir a saída dele. Há outros argumentos muito mais convincentes. Não chegaríamos a esse ponto de pressionar o governador com uma ameaça nesse sentido. Ele não nos atenderia, nesse tom, nessa forma.

FOLHA - Como vocês vêem a política dentro da Polícia Civil?
ROQUE -
Uma das nossas maiores batalhas é justamente contra a ingerência política na polícia. Alguns cargos, ou a maioria dos cargos mais importantes da polícia, não são preenchidos pela capacidade, mas sim pelo político que indica. Isso causa nos colegas uma revolta muito grande. Você trabalha, mostra um bom serviço e seu desempenho não é avaliado. Não há um critério objetivo, mesmo na promoção.

FOLHA - Isso era assim ou só agora?
ROQUE -
Já era assim. Só que agora é muito maior. Podia ter antes um ou dois casos, mas hoje tudo é assim.

FOLHA - E qual é vantagem de um político nomear um delegado?
ROQUE -
Ele vai ter alguma influência sobre o delegado que ele colocou lá. Esse é o ponto principal do nosso movimento. Tanto é que nós pleiteamos uma promoção automática, sem critérios subjetivos.

FOLHA - E no interior?
ROQUE -
Como você pode investigar o prefeito ou um vereador da sua cidade se o aluguel da delegacia é pago por ele? Se o aluguel da Ciretran é pago por ele e os funcionários cedidos à Ciretran são da prefeitura? Se gasolina do carro é paga por ele? Ele fala: "Se você me investigar, não pago mais isso". Como você pode fazer? E o governo aceita isso.

FOLHA - Por que no interior o movimento é mais forte?
ROQUE -
Porque há uma união maior dos delegados. Porque estão sempre juntos. Aqui em São Paulo é mais difícil. E não tem "bonde" lá...

FOLHA - O que é "bonde'?
ROQUE -
Você remover o policial de um município para outro. Para mudar o policial, o Estado tem que pagar um salário a mais. Aqui [na capital], não. Se fizer alguma coisa, ele vai parar no outro extremo da cidade, o que impossibilita ele de trabalhar. E o Estado não precisa pagar por isso.

FOLHA - Quando a polícia deixa de atender uma mulher com filho desaparecido ou um ameaçado de morte, isso não é prejudicial à categoria?
ROQUE -
Acaba. Por isso que falo para os colegas sempre nossa orientação: usar o bom senso. Se você sentir que a pessoa está sendo ameaçada realmente, faça o BO. Não tem problema. Nós não colocamos essa intransigência na nossa cartilha. Uma criança desaparecida, nesses casos, tem que imperar o bom senso. Agora, a pessoa vai registrar furto de documento, pode esperar.


Texto Anterior: Há 50 Anos
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.