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Greve tenta derrubar secretário, diz delegado
Líder da paralisação dos policiais civis de SP diz que saída de Ronaldo Marzagão da Segurança agora é uma reivindicação
Afastado do cargo, Sergio Roque diz que secretário alimenta divergências entre as polícias ao mandar policiais militares fazerem BOs
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Sergio Marcos Roque, 66, delegado há 22 anos, foi um dos
policiais punidos na semana
passada pelo governo José Serra (PSDB) por participar da
greve da Polícia Civil, que completa hoje 13 dias.
Presidente da Associação dos
Delegados da Polícia Civil de
São Paulo e um dos líderes do
movimento grevista, Roque
afirma que as relações da polícia com o secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão estão "esgarçadas". "Estão
rompidas, não há como reatar
isso daí", disse. O delegado, que
trabalhava no setor de inteligência da polícia, foi afastado
na semana passada.
Segundo ele, agora a saída do
secretário passou a fazer parte
da pauta de reivindicações.
"Ele tem nos tratado como se
fôssemos marginais." Leia a seguir trechos da entrevista.
FOLHA - Confesso que não acreditava nessa greve. Pensei: a Polícia Civil não consegue fazer greve.
SERGIO MARCOS ROQUE - Foi a
mesma coisa que o governo
pensou. Eles subestimaram. A
verdade é essa. A Polícia Civil
nunca fez greve. Teve ameaças,
arremedos, mas nunca teve.
Como não tínhamos essa cultura, o Estado subestimou.
FOLHA - É o salário o principal descontentamento da classe?
ROQUE - Não é o salário. O principal motivo é a falta de recursos e a maneira como os policiais estão sendo tratados.
FOLHA - Como é o tratamento?
ROQUE - Não há respeito da Secretaria da Segurança aos policiais civis e aos delegados de
polícia. Há um regime quase de
escravidão. A cúpula está num
pedestal, se isola naquele pedestal e não sabe o que acontece na base. Nunca conversei
com o secretário. Nunca ele me
chamou para conversar: "Sergio, como estão delegados? Como está a polícia?". Nunca, jamais. Ele também é muito mal
informado. Ele tem lá uma
blindagem dos assessores de
imprensa, dos próprios delegados que o assessoram, que procuram não levar para ele o que
realmente está acontecendo.
Como é o que está acontecendo
com a greve. Dizem que "tem
30%". Tem 100% no interior.
Se não for 100%, é 98%.
FOLHA - As medidas que ele vêm
adotando pioram essa situação?
ROQUE - Ele está, levianamente, colocando lenha na fogueira
nas relações, que já não eram
muito boas, entre as polícias
Civil e Militar. Com os oficiais,
entre os praças, [a relação] é
perfeita. Em vez de apaziguar,
ele, através dessas ações -de
determinar que os policiais militares façam ocorrências e requisitem [perícia]-, só está alimentando a divergência.
FOLHA - Eu pergunto sobre as medidas punitivas contra os policiais. O
que representa isso no relacionamento com o secretário?
ROQUE - Com esse secretário,
se ele continuar, o relacionamento será péssimo. Péssimo.
Por quê? Porque tem demonstrado que não gosta da Polícia
Civil. Aliás, ele não gosta da polícia, principalmente da Civil. A
gente percebe claramente. Ele
tem nos tratado como fôssemos marginais. Estamos fazendo uma coisa que é direito nosso, que é direito de greve. As relações entre esse atual secretário com a polícia estão esgarçadas. Estão rompidas, não há como reatar isso daí. Não há.
FOLHA - Vai entrar na pauta de reivindicação a saída do Marzagão?
ROQUE - Já entrou. Quando fomos à Secretaria da Segurança
Pública, nessa última passeata,
falamos no refrão "Marzagão,
peça demissão". Isso já mostrou [que está na pauta].
FOLHA - Dizem que vocês aproveitam o momento político para fazer a
greve, que estão ligados à CUT...
ROQUE - Tivemos muito cuidado para não dar uma coloração
político-partidária. Tanto é que
[o movimento] não começou
agora. Começou em fevereiro.
O governo é que nos levou até
agora. Ele deveria ter chamado
para conversar bem antes. A
CUT cedeu um carro de som,
um dia, e estão fazendo o maior
alarde. A participação da CUT
se resume a um carro de som.
FOLHA - O senhor disse que a polícia consegue interferir no resultado
de uma eleição. O que quer dizer?
ROQUE - Não existe no Estado
de São Paulo um município que
não tenha um delegado. E o delegado é formador de opinião. A
população do interior tem muito respeito pelo delegado. Em
São Paulo e no Brasil. Talvez
em Estados menores isso possa
ser ainda mais forte. Então, se o
governador fizesse uma reflexão -ele é eventual candidato a
Presidência da República. Estou fazendo pressão política?
Estou, isso é legítimo.
FOLHA - Vocês vão usar esse argumento para pedir a saída de Ronaldo
Marzagão?
ROQUE - Não precisa disso para
pedir a saída dele. Há outros argumentos muito mais convincentes. Não chegaríamos a esse
ponto de pressionar o governador com uma ameaça nesse
sentido. Ele não nos atenderia,
nesse tom, nessa forma.
FOLHA - Como vocês vêem a política dentro da Polícia Civil?
ROQUE - Uma das nossas maiores batalhas é justamente contra a ingerência política na polícia. Alguns cargos, ou a maioria
dos cargos mais importantes da
polícia, não são preenchidos
pela capacidade, mas sim pelo
político que indica. Isso causa
nos colegas uma revolta muito
grande. Você trabalha, mostra
um bom serviço e seu desempenho não é avaliado. Não há
um critério objetivo, mesmo na
promoção.
FOLHA - Isso era assim ou só agora?
ROQUE - Já era assim. Só que
agora é muito maior. Podia ter
antes um ou dois casos, mas hoje tudo é assim.
FOLHA - E qual é vantagem de um
político nomear um delegado?
ROQUE - Ele vai ter alguma influência sobre o delegado que
ele colocou lá. Esse é o ponto
principal do nosso movimento.
Tanto é que nós pleiteamos
uma promoção automática,
sem critérios subjetivos.
FOLHA - E no interior?
ROQUE - Como você pode investigar o prefeito ou um vereador da sua cidade se o aluguel
da delegacia é pago por ele? Se o
aluguel da Ciretran é pago por
ele e os funcionários cedidos à
Ciretran são da prefeitura? Se
gasolina do carro é paga por
ele? Ele fala: "Se você me investigar, não pago mais isso". Como você pode fazer? E o governo aceita isso.
FOLHA - Por que no interior o movimento é mais forte?
ROQUE - Porque há uma união
maior dos delegados. Porque
estão sempre juntos. Aqui em
São Paulo é mais difícil. E não
tem "bonde" lá...
FOLHA - O que é "bonde'?
ROQUE - Você remover o policial de um município para outro. Para mudar o policial, o Estado tem que pagar um salário a
mais. Aqui [na capital], não. Se
fizer alguma coisa, ele vai parar
no outro extremo da cidade, o
que impossibilita ele de trabalhar. E o Estado não precisa pagar por isso.
FOLHA - Quando a polícia deixa de
atender uma mulher com filho desaparecido ou um ameaçado de morte, isso não é prejudicial à categoria?
ROQUE - Acaba. Por isso que falo para os colegas sempre nossa
orientação: usar o bom senso.
Se você sentir que a pessoa está
sendo ameaçada realmente, faça o BO. Não tem problema.
Nós não colocamos essa intransigência na nossa cartilha. Uma
criança desaparecida, nesses
casos, tem que imperar o bom
senso. Agora, a pessoa vai registrar furto de documento, pode
esperar.
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