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ELES E ELAS
Miriam Goldenberg diz que as brasileiras deveriam ter uma visão mais realista e menos seletiva dos relacionamentos
Mulher exige muito no amor, diz antropóloga
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A antropóloga Mirian Goldenberg, 47, santista radicada no Rio
e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro),
vem transcendendo os muros do
mundo acadêmico ao estudar temas que estão nas capas das revistas femininas: novos modelos nas
relações entre homens e mulheres; culto do corpo; a busca pelo
parceiro ideal.
Seu novo livro, "De Perto Ninguém é Normal" (Record, 208
págs., R$ 28,90), trata desses assuntos a partir, principalmente,
de questionários respondidos por
1.279 moradores do Rio, entre 17 e
50 anos, com renda acima de R$
2.000. Ela diz que esse universo é
suficiente para retratar modelos
vigentes na sociedade brasileira.
Esse retrato mostra que há muitas diferenças no que mulheres e
homens pensam sobre beleza e
relacionamento. Para a antropóloga, como há muito mais mulheres do que homens no mundo,
elas devem buscar menos o príncipe encantado se quiserem encontrar um parceiro. "É contraditório, para não dizer pouco inteligente, que num mercado afetivo-sexual tão desfavorável elas exijam tanto", diz Goldenberg nesta
entrevista.
Folha - Você escreve sobre crises
de "gênero", de modelos femininos e masculinos. Mas isso sempre
existiu. Quais são as especificidades das crises atuais?
Goldenberg - No caso das mulheres, essa crise em relação ao
corpo é recente. A insatisfação
vem dos anos 90 para cá, com esse
modelo das top models, das atrizes. Até pouco tempo atrás, poucas mulheres faziam plástica. Hoje, é quase uma obrigação. A que
não faz se sente desviante. A crise
feminina tem muito a ver com essa busca infindável de perfeição,
de juventude, de beleza e magreza. É a nova questão da mulher. E
sua nova prisão também.
Folha - Por que, entre seus entrevistados, há muito mais mulheres
(835) do que homens (444)?
Goldenberg - Elas gostam de falar mais sobre esses temas do que
eles. Os homens são muito objetivos. No questionário, na pergunta
"Quais os principais problemas
de uma relação?", a maioria escreveu apenas: "Falta de compreensão". Entre as mulheres, algumas
escreviam tanto que tinha até anexo. Era "falta de amor, de romance, de desejo, de cumplicidade, de
companheirismo, de diálogo, falta, falta, falta". O homem tem
uma visão mais global. Olha para
a mulher como um todo. Já a mulher é detalhista. Fica procurando
as imperfeições nela mesma e nas
relações. O que o homem quer de
uma relação é compreensão, tranqüilidade, sossego, paz. A mulher
quer romance, amor, tesão, coisas
que, numa relação mais duradoura, são impossíveis.
Folha - Qual é a crise masculina?
Goldenberg - A crise não é masculina, mas de um modelo de
masculinidade. Existia um modelo hegemônico até 20, 30 anos
atrás: o homem era o provedor, o
protetor, o chefe de família. Hoje
existem modelos concorrentes: o
sensível, o delicado, o romântico,
o vaidoso, o mais jovem, o que ganha menos. As mulheres exigem
do homem coisas que não exigiam antes. Ele não tem que ser só
o provedor bem-sucedido e poderoso. Também tem que cuidar do
seu corpo, vestir-se bem, ser romântico, carinhoso. Há o modelo
Reynaldo Gianecchini, sensível, e
o modelo José Mayer, machão. E a
mulher quer tudo isso numa só
pessoa. É impossível. Elas usam o
clichê "mulher independente assusta" para justificar porque não
têm parceiro. Os homens dizem
que não: querem que elas trabalhem e dividam as obrigações financeiras. Para os homens, o momento é positivo. Não precisam
corresponder ao modelo hegemônico e podem escolher mais.
Como o mercado matrimonial é
grande, eles acabam eliminando
as imaturas, as chatas e as fantasiosas e encontram uma parceira.
Folha - A mulher deve ter uma visão mais flexível dos homens se
quiser encontrar um parceiro?
Goldenberg - Deve ter uma visão
mais madura, realista. Parece que
as mulheres não observam muito
bem a realidade. Elas demandam
como se tivessem 50 homens para
escolher e algum vai ser perfeito.
É contraditório, para não dizer
pouco inteligente, que num mercado afetivo-sexual tão desfavorável elas exijam tanto. É também
interessante observar que, num
mercado tão favorável aos homens, eles peçam tão pouco às
mulheres. Elas ficam reclamando
que falta homem no mercado, um
clichê. Mas é que estão olhando só
para um homem que não existe.
Se olharem com uma visão mais
compreensiva, vão encontrar.
Folha - Você entrevistou só pessoas do Rio e com renda acima de
R$ 2.000. Que alcance a pesquisa
pode ter?
Goldenberg - Eu trabalho com o
universo das chamadas camadas
médias urbanas, que são consideradas vanguarda de comportamento. Então, não estou falando
só desse universo. Pode ser que
no Rio exista um exagero maior
no culto ao corpo, mas não quer
dizer que esse modelo não esteja
disseminado pelo Brasil. E existem academias de musculação em
favelas, domésticas consumindo
produtos até mais caros do que as
patroas. Estou falando de um modelo de homem e mulher muito
forte na sociedade brasileira.
Folha - Lendo seu livro, parece
que o tabu da infidelidade continua com a mesma força. É isso?
Goldenberg - O que mudou é
que as mulheres assumem que
traem. Antes, a infidelidade era
privilégio masculino. Hoje, se o
homem trai, a mulher se sente no
direito de trair também. O curioso é que elas sempre culpam o homem. A mulher não se vê como
sujeito da traição, mas como vítima de uma falta de desejo do parceiro. Os homens traem por disponibilidade. As mulheres, porque não se sentem desejadas. É a
falta de desejo do marido pelo
corpo dela que a faz testar se seu
corpo ainda é desejável.
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