São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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ELES E ELAS

Miriam Goldenberg diz que as brasileiras deveriam ter uma visão mais realista e menos seletiva dos relacionamentos

Mulher exige muito no amor, diz antropóloga

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

A antropóloga Mirian Goldenberg, 47, santista radicada no Rio e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vem transcendendo os muros do mundo acadêmico ao estudar temas que estão nas capas das revistas femininas: novos modelos nas relações entre homens e mulheres; culto do corpo; a busca pelo parceiro ideal.
Seu novo livro, "De Perto Ninguém é Normal" (Record, 208 págs., R$ 28,90), trata desses assuntos a partir, principalmente, de questionários respondidos por 1.279 moradores do Rio, entre 17 e 50 anos, com renda acima de R$ 2.000. Ela diz que esse universo é suficiente para retratar modelos vigentes na sociedade brasileira.
Esse retrato mostra que há muitas diferenças no que mulheres e homens pensam sobre beleza e relacionamento. Para a antropóloga, como há muito mais mulheres do que homens no mundo, elas devem buscar menos o príncipe encantado se quiserem encontrar um parceiro. "É contraditório, para não dizer pouco inteligente, que num mercado afetivo-sexual tão desfavorável elas exijam tanto", diz Goldenberg nesta entrevista.

Folha - Você escreve sobre crises de "gênero", de modelos femininos e masculinos. Mas isso sempre existiu. Quais são as especificidades das crises atuais?
Goldenberg -
No caso das mulheres, essa crise em relação ao corpo é recente. A insatisfação vem dos anos 90 para cá, com esse modelo das top models, das atrizes. Até pouco tempo atrás, poucas mulheres faziam plástica. Hoje, é quase uma obrigação. A que não faz se sente desviante. A crise feminina tem muito a ver com essa busca infindável de perfeição, de juventude, de beleza e magreza. É a nova questão da mulher. E sua nova prisão também.

Folha - Por que, entre seus entrevistados, há muito mais mulheres (835) do que homens (444)?
Goldenberg -
Elas gostam de falar mais sobre esses temas do que eles. Os homens são muito objetivos. No questionário, na pergunta "Quais os principais problemas de uma relação?", a maioria escreveu apenas: "Falta de compreensão". Entre as mulheres, algumas escreviam tanto que tinha até anexo. Era "falta de amor, de romance, de desejo, de cumplicidade, de companheirismo, de diálogo, falta, falta, falta". O homem tem uma visão mais global. Olha para a mulher como um todo. Já a mulher é detalhista. Fica procurando as imperfeições nela mesma e nas relações. O que o homem quer de uma relação é compreensão, tranqüilidade, sossego, paz. A mulher quer romance, amor, tesão, coisas que, numa relação mais duradoura, são impossíveis.

Folha - Qual é a crise masculina?
Goldenberg -
A crise não é masculina, mas de um modelo de masculinidade. Existia um modelo hegemônico até 20, 30 anos atrás: o homem era o provedor, o protetor, o chefe de família. Hoje existem modelos concorrentes: o sensível, o delicado, o romântico, o vaidoso, o mais jovem, o que ganha menos. As mulheres exigem do homem coisas que não exigiam antes. Ele não tem que ser só o provedor bem-sucedido e poderoso. Também tem que cuidar do seu corpo, vestir-se bem, ser romântico, carinhoso. Há o modelo Reynaldo Gianecchini, sensível, e o modelo José Mayer, machão. E a mulher quer tudo isso numa só pessoa. É impossível. Elas usam o clichê "mulher independente assusta" para justificar porque não têm parceiro. Os homens dizem que não: querem que elas trabalhem e dividam as obrigações financeiras. Para os homens, o momento é positivo. Não precisam corresponder ao modelo hegemônico e podem escolher mais. Como o mercado matrimonial é grande, eles acabam eliminando as imaturas, as chatas e as fantasiosas e encontram uma parceira.

Folha - A mulher deve ter uma visão mais flexível dos homens se quiser encontrar um parceiro?
Goldenberg -
Deve ter uma visão mais madura, realista. Parece que as mulheres não observam muito bem a realidade. Elas demandam como se tivessem 50 homens para escolher e algum vai ser perfeito. É contraditório, para não dizer pouco inteligente, que num mercado afetivo-sexual tão desfavorável elas exijam tanto. É também interessante observar que, num mercado tão favorável aos homens, eles peçam tão pouco às mulheres. Elas ficam reclamando que falta homem no mercado, um clichê. Mas é que estão olhando só para um homem que não existe. Se olharem com uma visão mais compreensiva, vão encontrar.

Folha - Você entrevistou só pessoas do Rio e com renda acima de R$ 2.000. Que alcance a pesquisa pode ter?
Goldenberg -
Eu trabalho com o universo das chamadas camadas médias urbanas, que são consideradas vanguarda de comportamento. Então, não estou falando só desse universo. Pode ser que no Rio exista um exagero maior no culto ao corpo, mas não quer dizer que esse modelo não esteja disseminado pelo Brasil. E existem academias de musculação em favelas, domésticas consumindo produtos até mais caros do que as patroas. Estou falando de um modelo de homem e mulher muito forte na sociedade brasileira.

Folha - Lendo seu livro, parece que o tabu da infidelidade continua com a mesma força. É isso?
Goldenberg -
O que mudou é que as mulheres assumem que traem. Antes, a infidelidade era privilégio masculino. Hoje, se o homem trai, a mulher se sente no direito de trair também. O curioso é que elas sempre culpam o homem. A mulher não se vê como sujeito da traição, mas como vítima de uma falta de desejo do parceiro. Os homens traem por disponibilidade. As mulheres, porque não se sentem desejadas. É a falta de desejo do marido pelo corpo dela que a faz testar se seu corpo ainda é desejável.

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