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GILBERTO DIMENSTEIN
Minas está transformando dívida em ouro?
Foram gastos na semana
passada milhões em publicidade oficial para mostrar como se
economiza dinheiro público.
Sob o slogan de "déficit zero", o
governo de Minas comemorou,
com alarde, a redução de seu
rombo orçamentário. Há quase
dois anos, o déficit era de R$ 2,4
bilhões e, graças a uma série de
cortes e racionalizações de gastos
usando métodos empresariais,
chegou-se a zero.
O marketing não deu uma boa
lição de economia: uma alquimia
desse porte de transformação de
dívida em ouro teria naturalmente tanto impacto que os
meios de comunicação a transformariam em notícia, sem custo. É
possível que tenha dado uma lição melhor sobre o futuro do país.
Tentar fazer desse plano um assunto popular, conversa de botequim, por meio da propaganda é
uma pista de que surge, no país,
um novo olhar do eleitorado: o
interesse por gestão. Se o esforço
do governo de Minas vai continuar até o final do mandato e significar melhorias sociais (no fundo, o que importa) ainda é cedo
para saber. Até lá, só podemos
dar, no máximo, um crédito de
confiança e reconhecer que é uma
inovação na cultura do "faz" da
política brasileira.
Cultura do "faz" significa obras;
quanto mais reluzentes melhor
no horário eleitoral. Gestão é processo, é algo quase abstrato, que
pode ser um diferencial. Promessas de redenção social viraram
arroz-de-festa e ninguém consegue se diferenciar mais dizendo
que é sensível aos mais pobres.
Todos apresentam, com pequenas
variações, o mesmo discurso. Gastar melhor os escassos recursos e
fazer funcionar a máquina administrativa, ou seja, métodos de
gestão, concorre para ser cada vez
mais um dos atrativos eleitorais.
O tema gestão foi um dos ingredientes, entre tantos, para explicar a vitória de José Serra. Ele se
apresentou (e vai de agora ter de
provar) capaz de administrar melhor, economizado e racionalizando despesas e receitas. É um
dos pontos fortes, pelo menos em
termos de imagem, de Geraldo
Alckmin, principal padrinho eleitoral do futuro prefeito de São
Paulo. Lembremos porém, que,
como o governador mineiro Aécio
Neves, o governador de São Paulo
sabe o valor da publicidade para
promover seu governo, como,
aliás, vimos nas eleições.
A opinião pública está cansada
de pagar tantos impostos e receber tão pouco de volta. Chegamos
ao ponto de saturação; a informalidade da economia assume
ares de desobediência civil. O eleitor rende-se ao culto do "faz",
mas parece simpatizar mais com
o governante que parece agir como uma dona-de-casa contanto
os centavos e evitando desperdícios -é assim que a maioria dos
brasileiros vive.
Um dos mais sérios problemas
de Lula está justamente na gestão. Na semana passada, prosseguia a crônica crise da área social,
com saída de técnicos do alto escalão. É curioso como o PT, com
tantas e tão bem-sucedidas práticas sociais nas cidades, fez de seu
ponto forte sua maior fragilidade,
devido a uma questão menos de
dinheiro do que gerencial.
É assim que desapareceu a campanha da fome, que a cada semestre o Ministério da Educação
muda de prioridade, que o Ministério da Cidades tenha pouco a
dizer, que não se tenham exigido
contrapartidas como freqüência
escolar aos programas de renda
mínima, que o programa para o
primeiro emprego não venha produzindo empregos, e por aí vai.
Lula fez o mais difícil, que não
era a especialidade do PT: assegurou estabilidade econômica e está
colhendo os frutos em aumento
do emprego. Não fez o mais fácil:
gerir melhor os programas sociais. Corre o risco de pagar caro
por isso nas próximas eleições.
Governantes estão acostumados
a lançar programas e não monitorá-los. Sem isso, não existe avaliação para medir se atingem sua
meta. Essa esculhambação terá
menos espaço.
O grande avanço na educação
brasileira, no caso, foi a criação
nos últimos dez anos de medidas
para avaliar o aprendizado. É
que basta para desfazer o otimismo oficial, embora se reconheçam
avanços. Esses parâmetros estão
se difundindo em toda a área social.
A boa notícia é que se desenvolve no país uma cultura de monitoramento e avaliação, estimulada por economistas interessados
em políticas sociais públicas. O
que hoje é assunto quase restrito a
meios acadêmicos e de Terceiro
Setor tende, lentamente, a se disseminar. Num encontro inédito,
reuniram-se em São Paulo, na semana passada, estudiosos de dentro e fora do Brasil para discutir
como calcular matematicamente
impactos econômicos de políticas
sociais. O objetivo é exibir fórmulas para se saber o retorno em dinheiro para cada centavo investido em políticas sociais.
Nos últimos tempos, tivemos
uma série de marcos nas decisões
administrativas: a volta da democracia para regular os conflitos, a disciplina orçamentária
(Lei da Responsabilidade Fiscal)
para controlar a inflação, o consenso sobre investimentos sociais,
em especial educação, para melhorar a competitividade brasileira e reduzir a desigualdade.
Estamos no limiar de mais um
novo ciclo: o culto à gestão. Talvez
por perceber essa tendência e ter
um governador presidenciável,
Minas preferiu fazer alarde publicitário e não trabalhar em silêncio, ao vender a idéia de que está
transformando dívida em ouro.
Se é pirita, que é o ouro dos tolos,
logo vamos saber.
PS- A interminável crise de gestão social de Lula é a prova de
uma antiga máxima da política:
muitas vezes, os amigos dão mais
trabalho do que os inimigos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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