São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 2005

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Para magistrado, doença não anula a aplicação da lei; ministro do STF diz que prisão é "socialmente inaceitável"

Juiz diz que cumpriu a lei ao manter prisão

DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz de primeira instância José Guilherme Di Rienzo Marrey, da 6ª Vara Criminal de Campinas, no interior paulista, afirma que apenas cumpriu a lei de crimes hediondos ao negar os pedidos de liberdade à ex-bóia-fria Iolanda Figueiral, 79. Para o ministro do STF Marco Aurélio de Mello, porém, a interpretação da lei é um "ato de vontade" e a prisão de Iolanda é "socialmente inaceitável".
Marrey diz não ter opinião sobre a lei, que se tornou alvo de uma campanha de protesto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e de institutos de criminologia. "Enquanto a lei estiver em vigor, eu tenho de aplicá-la", afirmou o juiz, que menciona o fato de o Tribunal de Justiça de São Paulo também ter negado o pedido de liberdade de Iolanda.
O juiz sustenta que o crime de tráfico de drogas é grave e doenças não podem anular a aplicação da legislação. "A situação pode ser grave, o que a gente lamenta, mas não justifica a soltura", diz o juiz. Marrey sustenta ainda que Iolanda está recebendo tratamento médico adequado.
A família de Iolanda afirma que ela sente muitas dores e interrompeu o tratamento feito em um hospital próximo de sua casa. Funcionários da Penitenciária Feminina do Tatuapé admitem que a enfermaria não é o local adequado para abrigar um caso dessa gravidade. Antes de ser transferida para a penitenciária, Iolanda estava na cadeia de Valinhos, na região de Campinas. Segundo ela, dormia no chão.
O tráfico de drogas é, dos crimes hediondos ou equiparados, o responsável pelo maior número de pessoas presas. Censo penitenciário de São Paulo mostrou que 19% dos detentos cometeram esse tipo de crime. O percentual de presos por homicídio não supera 13%.
É entre as mulheres que o tráfico tem maior representatividade. Entre as presas, 43,8% foram acusadas por esse crime -principal causa de prisão. Entre os homens, o líder é o roubo, com 65%.
Para o ministro Marco Aurélio, a interpretação da lei pode ser flexível. "Não dá para colocar carimbo com a lei como se todas as situações fossem iguais. As leis foram feitas para os homens e não os homens para as leis. O caráter humanitário não pode ser colocado de lado", afirma.
Marco Aurélio defende que a prisão tem de ser aplicada como uma exceção. "Qual a ameaça que essa presa com câncer terminal representa? Manter a prisão é socialmente inaceitável", diz.
Para ele, a prisão provisória (antes da condenação) -como a de Iolanda- tem de ser ainda mais criteriosa, porque envolve pessoas que, até o julgamento, são consideradas inocentes. "O chicote pode mudar de lado. Amanhã, nós ou nossos familiares podem ser acusados, e aí vamos querer o pleno direito de defesa."
Está marcado para o dia 15 de dezembro a votação no pleno do STF que pode decidir o futuro da lei. Deve ser analisada a constitucionalidade da lei em relação ao veto à progressão de regime. Dos 11 ministros, quatro votaram pela mudança -entre eles, Marco Aurélio, que é o relator- e dois foram favoráveis à manutenção.
Presidente da comissão de estudos do conselho federal da OAB que discutiu mudanças na lei, o advogado Alberto Toron defendeu, em seu relatório em outubro de 2004, que seja banida a proibição da concessão da liberdade provisória, entre outras alterações. "O juiz fica com as mãos atadas, impossibilidade de verificar a necessidade da prisão", diz.
(GILMAR PENTEADO)


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