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MOACYR SCLIAR
Namoro e vestibular
Namorados disputam vaga na USP.
Fuvest leva casais a testarem não só
o conhecimento mas também sua relação afetiva. Fovest, 22 de novembro de 2005
Esta história aconteceu
há muito tempo, numa época em que a fiscalização da prova
não era muito rigorosa. E só porque não era rigorosa que a história pôde acontecer.
Júlio e Francesca foram fazer
vestibular para medicina. Eles
eram namorados, amavam-se
muito e, porque se amavam, tinham decidido seguir a mesma
profissão, que ambos, aliás, admiravam muito. Naturalmente, estudaram juntos para o exame;
mas aí havia uma diferença.
Francesca, que era inteligente,
aprendia as coisas com facilidade. Júlio, que tinha um raciocínio
mais lento, não conseguia acompanhá-la. Mas, afinal, eram namorados e Francesca tratava de
ajudá-lo como podia, garantindo
que no fim tudo correria bem e
que seriam ambos aprovados.
Veio o dia da prova, realizada
no salão nobre da faculdade de
medicina local, que funcionava
num antigo e majestoso prédio. O
local não era grande e as mesas
não ficavam muito separadas. Júlio e Francesca sentaram-se juntos para realizar a primeira prova, que era então a de química.
Foram distribuídas as questões.
Todos puseram-se a trabalhar.
Júlio estava apavorado. Ele não
sabia nada do que fora perguntado. Era como se o conhecimento
tivesse sumido de repente de sua
cabeça. Notou então que o único
fiscal da prova olhava distraidamente pela janela. Aproveitou e,
em voz baixa, perguntou a Francesca qual era a resposta da primeira questão. Sem nem sequer
olhá-lo, ela respondeu, em tom
baixo, mas firme, que colar no
vestibular era proibido.
Júlio não podia acreditar no
que estava ouvindo. Francesca, a
sua Francesca, negava-se a ajudá-lo naquele instante de angústia? Aquilo representava um duplo choque e ele ficou ali, imóvel,
atarantado, sem saber o que fazer
ou o que pensar.
Ao lado dele estava sentada Luciana. Amiga de ambos, ela nutria por Júlio uma paixão secreta.
Percebendo o que acontecia, e
num impulso, sussurrou ao rapaz
a resposta da primeira questão. E
depois a resposta da segunda, e a
resposta da terceira.
Júlio e Francesca foram aprovados, Luciana não -muito boa
em química, ela era fraca em física, e este exame acabou por excluí-la. Seu único consolo era ter
ajudado o amado.
Júlio e Francesca formaram-se
há vários anos. Ambos são cirurgiões. Ah, sim, e estão casados. O
trabalho no campo operatório
acabou por reaproximá-los. São
muito felizes. E nunca mencionam o dia em que fizeram o exame de química no vestibular.
Moacyr Scliar escreve às segundas, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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