São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 2005

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JUVENTUDE ENCARCERADA

Jovem morreu na Febem, onde estava desde setembro; pelo perfil, poderia estar em semi-liberdade

Após 1º roubo, J., 17, teve sua "pena de morte"

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Mãe, a viagem do Jonathan está demorando muito. Por que deixou ele viajar se você não pára de chorar?", reclamava um garoto de cinco anos, inconformado com a falta do irmão mais velho.
Ele e a irmã de sete anos só souberam que Jonathan Vieira Anacleto, 17, não estava na praia, como diziam os pais, no dia do enterro do jovem -que morreu ao cair do telhado da Febem Tatuapé, na zona leste de São Paulo, na semana passada, durante mais uma rebelião que expôs a situação de descontrole no complexo.
A internação de Jonathan no dia 15 de setembro de 2005 foi tão constrangedora para a família que ela não a escondeu só dos vizinhos e amigos, mas inclusive dos dois irmãos mais novos dele.
Jonathan estudava na oitava série do ensino fundamental, tinha plano de saúde e computador na casa própria da família em São Mateus, bairro da zona leste.
O pai trabalha na mesma empresa multinacional há 17 anos. A mãe é manicure e cabeleireira. Definem-se como classe média.
O adolescente foi parar na Febem após ser pego pela polícia, junto com um colega, por roubar um carro -cujo alarme disparou minutos depois. O assalto a mão armada foi cometido, na versão dele, para que os dois pudessem "se mostrar para umas meninas".
A própria presidente da Febem do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Berenice Maria Gianella, considera que, pelo perfil de Jonathan (primário, que estudava e tinha família estruturada), seria "mais adequado" que ele estivesse em um regime de semi-liberdade.
"Até porque, se for comparado com um adulto, ele receberia uma pena de 5 anos e 4 meses, seria preso, mas teria direito ao semi-aberto de cara", afirma Gianella.
A Justiça, no entanto, decidiu que ele deveria ficar internado. E a Febem escolheu uma das unidades do Tatuapé, complexo considerado mais problemático do sistema, como seu destino -motivo de revolta para a família.

"Barril de pólvora"
O pai e a mãe de Jonathan não queriam vê-lo solto de imediato. Elogiam a forma como ele era tratado nas semanas em que esteve na Febem do Brás, onde os adolescentes ficam provisoriamente, antes da definição sobre a medida socioeducativa a ser cumprida.
"Não quero passar a mão na cabeça do meu filho. Ele errou sim, não foi nenhum santinho. Tinha que cair a ficha dele. Eu estava contente porque ele estava pagando, lá no Brás, da mesma forma que um pai castiga seu filho", afirma Rita de Cássia Vieira, 35.
O que eles jamais esperavam era que ele fosse parar no "barril de pólvora do Tatuapé" -marcado por rebeliões, fugas e mortes.
"Nas visitas, ele implorava: "mãe, só não deixe me levarem para a desandada". Lá no Tatuapé não tem bonzinho. É a pena de morte. Se optarem por fuga, vai ter que fugir. Se optarem por bagunça, vai ter que fazer bagunça. Ou faz ou morre", afirma Rita.
"O Jonathan nunca apareceu em casa com um tênis ou uma roupa que não fosse dele. Mas lá dentro, da forma como é, ele iria fazer faculdade no crime e sairia diplomado, com todas gírias, códigos, conhecimentos e telefones", opina a mãe do rapaz.
"Se não saísse morto, de lá só teria como sair bandido", reforça Maurício Anacleto, 41, pai de Jonathan. Ele e Rita dizem que irão à Justiça contra a administração estadual pelo tratamento dado ao filho e pelo fato de, contrariando os insistentes pedidos, ele ter sido levado ao Tatuapé -onde morreu 20 dias depois de sua entrada.
"Quero uma resposta de por que eles acharam que meu filho, pelo erro dele, se encaixava naquela unidade", afirma a mãe.
Segundo ela, diferentemente do Brás, no Tatuapé tudo é ditado pelos internos. "Os funcionários pedem autorização do "faxina" [responsáveis pela limpeza, que, pela livre circulação nos blocos, se transformam em líderes] para ver se podem falar com algum interno. O Estado não tem controle."
O casal diz acreditar que, pelo estado do corpo, ele deve ter sido espancado depois de cair -"ou ser empurrado"- do telhado. "Ele foi muito judiado. Ficou sem nenhum dente na boca, todos os ossos quebrados", afirma Rita.
Mas por que Jonathan foi encaminhado ao Tatuapé se a própria Febem considera que um perfil igual ao dele poderia estar até em regime de semi-liberdade?
"É uma questão de vagas", diz a presidente da instituição, acrescentando que considera "boa" a unidade onde ele permaneceu internado. "Na classificação que a Febem faz, ele estava em uma unidade correta, a de primários graves até 18 anos", diz Gianella.

O roubo
O roubo cometido por Jonathan ocorreu em 14 de setembro. Ele foi com a mãe marcar uma consulta num pneumologista no final da tarde e, de lá, iria para a escola.
Às 21h, Rita recebeu um telefonema da delegacia informando que seu filho havia sido pego com um carro roubado. Ela não acreditou. "É trote", comentou.
Nervosa, decidiu desligar e retornar a ligação ao número que ficara no identificador de chamadas. Soube que era verdade.
Rita disse ter entrado em choque. "Eu só havia passado por delegacia para tirar RG", afirma.
Segundo ela, a decisão de não contar a notícia da internação para quase ninguém visava preservar a imagem de Jonathan.
O adolescente já havia trabalhado em funilaria, supermercado e fazendo a entrega de folhetos.
A família morava de aluguel na Vila Carrão, também na zona leste, antes de construir a casa própria em São Mateus, há sete anos. Eles tinha medo da fama do novo bairro. O envolvimento do filho no roubo, por ironia do destino, se deu justamente no anterior.
"Ele até deve ter sido influenciado, mas só fez porque quis, ninguém forçou", diz Maurício, em relação ao ato do filho. Jonathan não lhe disse onde obteve a arma utilizada no roubo do carro.
Mas erraram na educação do filho? "Não. Ele sempre voltava no horário. Não tenho como pegar um rapaz de 17 anos todos os dias na escola", alega Rita.


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