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JUVENTUDE ENCARCERADA
Jovem morreu na Febem, onde estava desde setembro; pelo perfil, poderia estar em semi-liberdade
Após 1º roubo, J., 17, teve sua "pena de morte"
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Mãe, a viagem do Jonathan está demorando muito. Por que deixou ele viajar se você não pára de
chorar?", reclamava um garoto de
cinco anos, inconformado com a
falta do irmão mais velho.
Ele e a irmã de sete anos só souberam que Jonathan Vieira Anacleto, 17, não estava na praia, como diziam os pais, no dia do enterro do jovem -que morreu ao
cair do telhado da Febem Tatuapé, na zona leste de São Paulo, na
semana passada, durante mais
uma rebelião que expôs a situação
de descontrole no complexo.
A internação de Jonathan no dia
15 de setembro de 2005 foi tão
constrangedora para a família que
ela não a escondeu só dos vizinhos e amigos, mas inclusive dos
dois irmãos mais novos dele.
Jonathan estudava na oitava série do ensino fundamental, tinha
plano de saúde e computador na
casa própria da família em São
Mateus, bairro da zona leste.
O pai trabalha na mesma empresa multinacional há 17 anos. A
mãe é manicure e cabeleireira.
Definem-se como classe média.
O adolescente foi parar na Febem após ser pego pela polícia,
junto com um colega, por roubar
um carro -cujo alarme disparou
minutos depois. O assalto a mão
armada foi cometido, na versão
dele, para que os dois pudessem
"se mostrar para umas meninas".
A própria presidente da Febem
do governo Geraldo Alckmin
(PSDB), Berenice Maria Gianella,
considera que, pelo perfil de Jonathan (primário, que estudava e tinha família estruturada), seria
"mais adequado" que ele estivesse
em um regime de semi-liberdade.
"Até porque, se for comparado
com um adulto, ele receberia uma
pena de 5 anos e 4 meses, seria
preso, mas teria direito ao semi-aberto de cara", afirma Gianella.
A Justiça, no entanto, decidiu
que ele deveria ficar internado. E a
Febem escolheu uma das unidades do Tatuapé, complexo considerado mais problemático do sistema, como seu destino -motivo
de revolta para a família.
"Barril de pólvora"
O pai e a mãe de Jonathan não
queriam vê-lo solto de imediato.
Elogiam a forma como ele era tratado nas semanas em que esteve
na Febem do Brás, onde os adolescentes ficam provisoriamente,
antes da definição sobre a medida
socioeducativa a ser cumprida.
"Não quero passar a mão na cabeça do meu filho. Ele errou sim,
não foi nenhum santinho. Tinha
que cair a ficha dele. Eu estava
contente porque ele estava pagando, lá no Brás, da mesma forma
que um pai castiga seu filho", afirma Rita de Cássia Vieira, 35.
O que eles jamais esperavam era
que ele fosse parar no "barril de
pólvora do Tatuapé" -marcado
por rebeliões, fugas e mortes.
"Nas visitas, ele implorava:
"mãe, só não deixe me levarem para a desandada". Lá no Tatuapé
não tem bonzinho. É a pena de
morte. Se optarem por fuga, vai
ter que fugir. Se optarem por bagunça, vai ter que fazer bagunça.
Ou faz ou morre", afirma Rita.
"O Jonathan nunca apareceu
em casa com um tênis ou uma
roupa que não fosse dele. Mas lá
dentro, da forma como é, ele iria
fazer faculdade no crime e sairia
diplomado, com todas gírias, códigos, conhecimentos e telefones", opina a mãe do rapaz.
"Se não saísse morto, de lá só teria como sair bandido", reforça
Maurício Anacleto, 41, pai de Jonathan. Ele e Rita dizem que irão à
Justiça contra a administração estadual pelo tratamento dado ao filho e pelo fato de, contrariando os
insistentes pedidos, ele ter sido levado ao Tatuapé -onde morreu
20 dias depois de sua entrada.
"Quero uma resposta de por
que eles acharam que meu filho,
pelo erro dele, se encaixava naquela unidade", afirma a mãe.
Segundo ela, diferentemente do
Brás, no Tatuapé tudo é ditado
pelos internos. "Os funcionários
pedem autorização do "faxina"
[responsáveis pela limpeza, que,
pela livre circulação nos blocos, se
transformam em líderes] para ver
se podem falar com algum interno. O Estado não tem controle."
O casal diz acreditar que, pelo
estado do corpo, ele deve ter sido
espancado depois de cair -"ou
ser empurrado"- do telhado.
"Ele foi muito judiado. Ficou sem
nenhum dente na boca, todos os
ossos quebrados", afirma Rita.
Mas por que Jonathan foi encaminhado ao Tatuapé se a própria
Febem considera que um perfil
igual ao dele poderia estar até em
regime de semi-liberdade?
"É uma questão de vagas", diz a
presidente da instituição, acrescentando que considera "boa" a
unidade onde ele permaneceu internado. "Na classificação que a
Febem faz, ele estava em uma unidade correta, a de primários graves até 18 anos", diz Gianella.
O roubo
O roubo cometido por Jonathan
ocorreu em 14 de setembro. Ele
foi com a mãe marcar uma consulta num pneumologista no final
da tarde e, de lá, iria para a escola.
Às 21h, Rita recebeu um telefonema da delegacia informando
que seu filho havia sido pego com
um carro roubado. Ela não acreditou. "É trote", comentou.
Nervosa, decidiu desligar e retornar a ligação ao número que ficara no identificador de chamadas. Soube que era verdade.
Rita disse ter entrado em choque. "Eu só havia passado por delegacia para tirar RG", afirma.
Segundo ela, a decisão de não
contar a notícia da internação para quase ninguém visava preservar a imagem de Jonathan.
O adolescente já havia trabalhado em funilaria, supermercado e
fazendo a entrega de folhetos.
A família morava de aluguel na
Vila Carrão, também na zona leste, antes de construir a casa própria em São Mateus, há sete anos.
Eles tinha medo da fama do novo
bairro. O envolvimento do filho
no roubo, por ironia do destino,
se deu justamente no anterior.
"Ele até deve ter sido influenciado, mas só fez porque quis, ninguém forçou", diz Maurício, em
relação ao ato do filho. Jonathan
não lhe disse onde obteve a arma
utilizada no roubo do carro.
Mas erraram na educação do filho? "Não. Ele sempre voltava no
horário. Não tenho como pegar
um rapaz de 17 anos todos os dias
na escola", alega Rita.
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